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CUNHA DE LEIRADELLA
 

APONTAMENTOS PARA UM
TEATRO DE QUESTIONAMENTO

 

O diferencial estético como meio evolutivo
Um teatro de forma dramática (1)
 

Ativo

Faz participar o espectador numa ação cênica

Consome-lhe a atividade

Proporciona-lhe sentimentos

Vivência

O espectador é imiscuído em qualquer coisa

Sugestão

As sensações são conservadas como tal

O espectador está no centro, comparticipa dos acontecimentos

Parte-se do princípio que o homem é algo já conhecido

O homem imutável

Tensão em virtude do desenlace

Uma cena em função da outra

Progressão

Acontecer retilíneo

Obrigatoriedade de uma evolução

O homem como algo fixo

O pensamento determina o ser

Sentimento

 
Um teatro de forma épica (2)
 

Narrativo

Torna o espectador uma testemunha, mas

Desperta-lhe a atividade

Exige-lhe decisões

Mundivalência

O espectador é posto perante qualquer coisa

Argumento

As sensações são elevadas ao nível de conhecimento

O espectador está defronte, analisa

O homem é objeto de uma análise

O homem suscetível de ser modificado e de modificar

Tensão em virtude do decurso da ação

Cada cena em si e por si

Construção articulada

Acontecer curvilíneo

Saltos

O homem como realidade em processo

O ser social determina o pensamento

Razão

 
Um teatro de absurdo (3)
 

Expositivo

Aliena o espectador

Estagna-lhe a atividade

Exclui os sentimentos

Mostra-lhe a falta de sentido das concepções do mundo

O espectador é colocado à margem

Age por meio de constatações

As sensações são estagnadas

O espectador está à parte, assiste

O homem é objeto

O homem é só um módulo

Tensão visando à inércia

Cenas paralelas

Construção desconexa

Acontecer paralelo

Estratos

O homem como efeito

A eventualidade delimita o pensamento

Incomunicabilidade

 
Um teatro de questionamento (4)
 

Interpretativo

Estimula o espectador

Orienta-lhe a atividade

Impõe-lhe participação

Dá-lhe condições de interpretar

O espectador é provocado

Age por meio de demonstrações

As sensações são questionadas

O espectador faz parte de, questiona

O homem é determinante

O homem é a medida da sua própria ação

Tensão visando à comunicabilidade

Cenas concêntricas

Construção mutante

Acontecer circular

Voltas

O homem como causa

O homem determina o pensamento

Conhecimento(5)

 

5

O Teatro de questionamento não envolve o espectador, fazendo-o comparticipar dos acontecimentos, como propõe o Teatro de forma dramática , nem o torna uma testemunha, colocando-o defronte, como propõe o Teatro de forma épica , ou o aliena, afastando-o, como propõe o Teatro de absurdo . O Teatro de questionamento estimula o espectador, pois ele faz parte de, questionando e sendo questionado. E desta interação de questionamentos, o Teatro questionando (a realidade e) o espectador, e o espectador questionando (a realidade e) a si mesmo, o ato de fazer Arte será, obrigatoriamente, um ato de conhecimento . Como já foi dito, para questionar é necessário, antes de tudo, conhecer.

6

Quando eu sei por que, tenho Ação, tenho Narração, tenho Exposição e tenho Interpretação .

7

O Teatro de absurdo , contraposto ao Teatro de forma épica , foi um avanço estético tão grande quanto o Teatro de forma épica contraposto ao Teatro de forma dramática . A desmitificação do ser apenas social foi sedimentada. Mas preocupado somente com a apresentação de situações básicas do ser humano, o Teatro de absurdo enveredou pelo caminho reto da negação. Não aceitou, mas também não questionou. E deixou o homem ainda mais só e mais angustiado.

Divorciado de suas raízes religiosas, metafísicas e transcendentais, o homem está perdido; todas as suas ações se tornam sem sentido, absurdas, inúteis (6).

8

O Teatro de questionamento não propõe nenhuma ruptura irreversível, nenhuma oclusão. Propõe, apenas, abrir um caminho e caminhar. Mas sabendo que, se amanhã algum componente da realidade de hoje sofrer alteração, também esse caminho sofrerá alteração.

9

Ser ou não ser não é mais a questão. A questão, agora, é poder ser. Se já não é mais a medida de todas as coisas, o ser humano ainda é a medida (e a medida exata) das suas limitações.

 

(1) Bertolt BRECHT, Um teatro moderno: o teatro épico, em Estudos sobre teatro, 1964, pp. 23-24.

(2) Ibid.

(3)Diferenças mais importantes ao passar-se do Teatro de forma épica para o Teatro de absurdo.

(4)Diferenças mais importantes ao passar-se do Teatro de absurdo para o Teatro de questionamento.

(5) Os itens 1, 12, 13, 14, 15 e 16 são estruturais. Os restantes são conceituais.

(6)Eugène IONESCO, Dans les armes de la ville , transcrito por Martin ESSLIN, O teatro de absurdo , 1968, p. 20.