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CUNHA DE LEIRADELLA
 

APONTAMENTOS PARA UM
TEATRO DE QUESTIONAMENTO

 

A análise do texto

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Uma peça de teatro não pode ser, apenas, a tradução de uma idéia ou o desenvolvimento de um raciocínio, por mais interessante que seja a idéia ou por mais lógico que seja o raciocínio. Os personagens, no seu contexto (ação e conflito), são seres do seu próprio mundo, assim como nós também somos seres do nosso próprio mundo. Exatamente como nós, eles exercem o seu livre-arbítrio, são emotivos e contraditórios, e têm a sua própria liberdade e as suas próprias convicções. E, ainda como nós, também não são obrigados a serem lógicos. Se fossem apenas interessantes ou lógicos, não passariam de marionetes. Serviriam somente (como nós também servimos quando abjuramos as nossas convicções e a nossa liberdade) para o autor provar este ou aquele conceito, demonstrar esta ou aquela tese, de acordo com o seu enfoque existencial ou ideológico.

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Fazer teatro não é fazer proselitismo. É fazer arte.

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Assim como o texto deve questionar (para poder interpretar) a realidade que o originou, também ele deve ser questionado (para poder ser interpretado). Sem uma profunda percepção e um perfeito entendimento do subtexto, jamais se penetrará no verdadeiro mundo dos personagens.

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1ª fase

1) Estudar o significado do título. Ele é o primeiro indicativo do autor sobre a sua intencionalidade.

2) Localizar o texto no espaço e no tempo, e confrontá-lo com a realidade que o originou.

3) Confrontar os personagens com a realidade atual:

- como seres humanos;

- como cidadãos.

4) Estudar os antecedentes dos fatos apresentados pelo texto, confrontá-los com a realidade atual e verificar as ilações e conseqüências possíveis.

5) Situar os personagens no começo e no fim do texto, estudar as determinantes das variações comportamentais de cada um e confrontá-las com a realidade atual.

6) Explicitar, com absoluta clareza, a mais profunda intencionalidade do texto. A sua essência. O seu fator determinante. Ele será o ponto de partida para a concepção e o fulcro do espetáculo.

2ª fase

1) Explicitar as afirmações comportamentais, filosóficas, sociais, políticas, religiosas e existenciais contidas nos diálogos e dadas como opiniões dos personagens.

2) Precisar a veracidade, ou a contradição, dessas afirmações e confrontá-las com a psicologia e com a ação dos próprios personagens.

3ª fase

1) Analisar a estrutura dos diálogos. São eles que evidenciam a intencionalidade e demarcam o subtexto .

2) Analisar os verbos e os tempos em que são empregados. São eles que determinam o grau do conflito e da ação.

3) Verificar como cada personagem emite as suas opiniões. Mesmo quando passivos, eles também participam do conjunto. Portanto, também questionam e devem ser questionados.

4ª fase

1) Decompor a construção do texto, dividindo as cenas em unidades dramáticas. Os parâmetros da divisão são fornecidos pelas variações da ação.

2) Cada unidade dramática deve apresentar uma uniformidade bem definida.

3) Analisar a intensidade de cada unidade dramática, tomando como ponto de convergência o fator determinante do texto.

4) A intensidade de cada unidade dramática é sempre proporcional à divergência ou concordância (afastamento ou aproximação) do fator determinante do texto.

5ª fase

1) Decompor a ação, evidenciando os elementos fundamentais de cada unidade dramática. Cada unidade pode comportar um ou mais elementos.

2) Explicitar a causa matriz de cada elemento.

3) Explicitar o significado precípuo de cada elemento.

4) Escrever um resumo da ação de cada unidade dramática, considerando o grau de questionamento sugerido pelo texto.

5) Escrever um resumo da ação de cada unidade dramática, considerando o grau máximo de questionamento suportado pelo texto.

6) Escrever um resumo da ação de cada unidade dramática, considerando o grau de questionamento pretendido para o espetáculo.

7) Confrontar os resumos. Se o grau de questionamento pretendido para o espetáculo for inferior ao sugerido ou superior ao suportado pelo texto, rever o grau pretendido, caso contrário o espetáculo deixará de ser o veículo adequado para a proposta do autor.

8) Estudar o conflito existente em cada unidade dramática e confrontá-lo com a ação de cada personagem, dentro da unidade. O conflito deve estar sempre ligado ao exercício consciente da vontade.

6ª fase

1) Determinar, prioritariamente, sobre cada personagem:

- os desejos conscientes;

- os impulsos inconscientes;

- os conflitos existenciais;

- as atitudes.

2) Verificar o desenvolvimento (somatório das ações coerentes e contraditórias) de cada personagem. Isoladamente e no grupo.

7ª fase

1) Estudar o clima do texto como um todo.

2) Estudar o clima de cada unidade dramática, após decomposta a construção.

3) Concepcionar o clima geral do espetáculo.

OBS - O clima do espetáculo não se concretizará se o fator determinante do texto não tiver sido devida e profundamente explicitado.

8ª fase

1) Determinar o ritmo de cada unidade dramática, considerando o seu grau de intensidade.

2) Estudar o ritmo mais adequado para o espetáculo.

OBS - O ritmo do espetáculo não se harmonizará se a intensidade de cada unidade dramática não tiver sido bem analisada e explicitada.