CUNHA DE LEIRADELLA
O CIRCO DAS
QUALIDADES HUMANAS



Longa metragem

INDEX

Nota preliminar
Narrativas
Personagens (ordem alfabética)
Figuração
Perfil dos personagens

ROTEIRO:

01-15
16-18
19-25
26-32
33-34
35-37
38-40

41-43
44-45
46-50
51-58
59-62
63-67
68-70

71-72
73-79
80-83
84-91
92-101
102-110
111-121

 

73 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Eduardo e Helena caminham pela rua, atrás da igreja do Senhor Bom Jesus. Eduardo usa a mesma roupa da seqüência 70.

 

HELENA

- Eduardo...

EDUARDO (Como se pensasse em voz alta)

- Se, ao menos, você fosse quem eu penso...

HELENA

- Deixa que eu seja.

 

EDUARDO (Continuando, mesmo tom)

- Mas você não é.

HELENA

- Como você sabe que eu não sou? Se você quiser, eu serei.

EDUARDO (Mesmo tom)

- Se eu quiser. (Com força.) E se eu quiser?! O que é que...

HELENA (Cortando)

- Se você quiser tudo mudará.

EDUARDO (Amargo)

- Mudará mesmo?

HELENA

- Mudará. Você (frisa a palavra você) mudará tudo.

 

Eduardo olha Helena, espantado.

 

HELENA (Suave, mas incisiva)

- Se eu mudasse, Eduardo, nada mudaria.

 

Eduardo pára e abraça Helena.

 

EDUARDO

- Eu te quero, Helena! Eu te quero!

 

Helena ri e solta-se, e continuam caminhando, Helena um pouco à frente. Eduardo pára e acende um cigarro. Passam Prisciliana e Geralda. Ao verem Eduardo parado, olham-no, desconfiadas, e andam mais depressa. E não parecem ver Helena.

 

HELENA

- Você diz que me quer...

EDUARDO (Aproximando-se, incisivo)

- Eu quero!

 

Helena pára, como a exigir uma definição.

 

HELENA

- Você diz que me quer, mas ainda diz que não sabe quem eu sou.

 

Estão na lateral da igreja. Eduardo pega na mão de Helena.

 

EDUARDO

- E se eu não quiser mais saber?

 

Helena não responde. Pega o cigarro de Eduardo e puxa uma tragada profunda. Solta o fumo devagar, como se estivesse analisando a atitude que vai tomar, joga o cigarro no chão e abraça Eduardo. Eduardo beija-a e Helena corresponde.

 

HELENA

- Agora, você sabe quem eu sou?

EDUARDO (Convicto)

- Agora, eu sei!

 

Abraçados, começam andando em direção ao Adro dos Profetas.

 

74 - ARREDORES DA CIDADE. EXTERIOR. NOITE.

 

Bosco está sentado junto de uma cachoeira. Ruídos noturnos característicos.

VOZ DE BOSCO

- Esta é a fórmula. As palavras são o que seriam, se fossem. Esta é a experiência. Quanto mais o universo aumentar, mais a minha imagem diminui.

 

Fábio aproxima-se. Bosco não percebe.

 

FÁBIO

- Eu sabia que você tava aqui. Mamãe disse...

 

Bosco olha Fábio em silêncio. Fábio senta-se ao lado dele.

 

FÁBIO

- Mamãe tá preocupada, Bosco. Tá mesmo. Diz que papai....

 

Bosco fecha os olhos.

 

VOZ DE BOSCO

- Será que Deus usa óculos ou lentes de contato?

FÁBIO

- Desse jeito, você não tem mais jeito, não, meu irmão.

 

Bosco continua de olhos fechados.

 

VOZ DE BOSCO

- Um conselho a todos. Cuidado, se pensar Deus escuta. Usa binóculos!

 

Fábio tira um baseado do bolso e acende-o. Dá uma lapada e passa-o a Bosco.

 

FÁBIO

- Por quê que você não faz uma força e dá um jeito, hem?

 

Num gesto brusco, Bosco levanta-se e sai correndo.

 

VOZ DE BOSCO (Como se fosse um eco)

- E alguém pergunta se eu quero?

 

75 - COLONIAL HOTEL. CORREDOR. INTERIOR. NOITE.

 

Joyce, uma das modelos da equipe fotográfica, bate na porta do apartamento de Maria Germana. Ninguém atende e ela continua batendo. Maria Germana aparece na porta do quarto de Ulysses.

 

MARIA GERMANA (Com espanto)

- Joyce?!

 

Joyce volta-se, rápida, e olha Maria Germana, espantada.

 

JOYCE

- Maria Germana?!

MARIA GERMANA

- Chiu! O que foi?

JOYCE

- Convidaram todo mundo pra uma festa.

MARIA GERMANA

- Festa? Quem convidou?

JOYCE

- Não sei. Você vai?

MARIA GERMANA

- Espera.

 

Maria Germana entra no quarto de Ulysses e volta logo depois, sorrindo

 

MARIA GERMANA

- Vou, sim. Você sabe onde é?

JOYCE

- Tem um pessoal aí que sabe.

 

Maria Germana abre a porta do apartamento dela e empurra a Joyce para dentro.

 

MARIA GERMANA

- Me espera aí.

 

76 - CASA COLONIAL. EXTERIOR. NOITE.

 

Panorâmica da casa. Nas janelas iluminadas perpassam, rapidamente, vultos femininos e masculinos. Junto do portão, carros estacionados. Ruídos noturnos característicos.

 

77 - CASA COLONIAL. SALA PRINCIPAL. INTERIOR. NOITE.

 

Diversas portas e janelas. Móveis e decoração coloniais. A festa já começou. Todo mundo bebendo, dançando, se agarrando. Maria Germana entra, acompanhada de Ulysses e de Joyce. Joyce, imediatamente, se junta a um grupo e se integra no ambiente. Corta para Ulysses e Maria Germana. Vê-se que Ulysses não se sente à vontade.

 

ULYSSES

- Você...

 

Maria Germana nota o embaraço de Ulysses e ri.

 

MARIA GERMANA

- Meu ex-marido odiava.

ULYSSES

- Eu também não...

MARIA GERMANA (Cortando, ainda rindo)

- Pois eu adoro!

 

Maria Germana afasta-se e integra-se, também, no ambiente. Ulysses fica parado, olhando para ela, num misto de constrangimento e de carência.

 

78 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Um carro pára atrás do corcel de Carioca e Preto, em frente ao Bar do Campo. Chicão sai, assobiando um samba de breque conhecido. Observa o carro velho, curioso, ao notar a placa do Rio de Janeiro. Mas não dá maior atenção e, sempre assobiando, entra no bar.

 

79 - CASA DE BOSCO. SALA. INTERIOR. NOITE.

 

Geralda está sentada e tem um rosário na mão. Mas não parece rezar. A porta abre e Fábio entra, puxando Bosco pela mão.

 

FÁBIO

- Mamãe...

 

Geralda levanta-se e abraça Bosco.

 

GERALDA

- Bosco!

FÁBIO

- Ele já tá bem, mamãe.

GERALDA

- Graças a Deus!

 

Geralda puxa uma cadeira e ajuda Bosco a sentar-se.

 

FÁBIO (Hesitante)

- Mamãe, eu...

 

Geralda não escuta e Fábio sai.

 

GERALDA

- Meu filho, você não pode fazer mais isso. Se continuar assim, seu pai...

VOZ DE BOSCO

- Meu pai morreu!

 

Bosco começa chorando, convulsivamente.