CUNHA DE LEIRADELLA:
Brazilian way of life (comédia)

INDEX

Ficha técnica
Personagens
Cenário único

AÇÃO

Firula tenta segurar Maria

Firula tenta segurar Maria. Ela bate-lhe com a ponta da perna da cadeira no peito do pé.

Firula - Ai! (Pulando num pé só.) Ai! Ai! Ai! (Senta-se no chão.) Ai! Ai!

Maria - Quer mais? Vem! Vem, se tu é home!

Picuinha(A Maria) - Pára, dona!

Maria - Vem você também. Vem!

Picuinha(Gritando a plenos pulmões) - Pára, porra!

Maria (Largando a cadeira) - Isso, besta! Berra. Berra, que a polícia só tá esperando tu berrar. (Picuinha cala-se e fica rígido.) Besta!

Picuinha (Como se estivesse gritando, mas sem emitir nenhum som) - Cala essa boca, senão eu mato um! Firu! (Firula não percebe.) Firu! Ô, Firu!

Maria (A Firula) - Ô, olha o seu amigo ali. Tá te chamando.

Firula (A Picuinha) - Quê que tá fazendo aí? Parece palhaço.

Picuinha (Gritando) - Palhaço, não, caralho! Palhaço, não!

Firula - Então deixa de palhaçada. Quem faz palhaçada é palhaço.

Picuinha - Me chama outra vez de palhaço, que eu te arrebento, viu?

Firula - levanta-se.

Maria (A Firula) - Taí! Isso, eu quero ver!

Elza - Maria, pelo amor de Deus!

Maria - Ah, D. Elza, qual é? Isto aqui é tudo igual. Ninguém morde, só ladra. (A Firula.) Como é? Vai engolir ou não vai?

Figura - Engolir o quê, pô? Não tem nada pra engolir.

Maria - Ah, não tem, não? (Aponta Picuinha.) Ele diz que te arrebenta e tu fica aí que nem bobão?

Firula - Porra, é mesmo! (Agarra Picuinha.) Repete! Repete, se tu é home!

Picuinha (Soltando-se) - Eu não disse nada, não, merda!

Maria - Disse, sim!

Picuinha - Não disse, não!

Firula (A Maria) - Ele disse que não disse.

Maria - Tu é palhaço mesmo, hem, ô?

Firula - Começa, não! Começa, não, que...

Maria - Começo, sim! Ele diz que te arrebenta e tu, ó. Quê que há, hem? Medrou?

Pirula - Tu arrebenta mesmo, Picu?

Picuinha - Ô, home, tu não tá vendo que ela só quer é encrencar, não?

Firula - Mas tu arrebenta ou não arrebenta?

Maria - Arrebenta, sim!

Picuinha - Arrebento, não!

Firula (A Maria) - Ele diz que não arrebenta, não.

Picuinha (A Firula) - É armação dela, seu burro!

Maria (A Firula) - Tá vendo? E ainda diz que tu é burro!

Firula (A Picuinha, gritando) - Eu não sou burro, não!

Firula atraca-se com Picuinha. Brigam. Haroldo tenta apanhar os revólveres. Maria é mais rápida e pega-os.

Vaneide (A Picuinha) - Dá nele! Dá nele!

Haroldo(Sentando-se, a Vaneide) - Não se mete. A briga não é nossa.

Olga (A Haroldo) - Deixe a menina, que não tem mais ditadura, não. E a briga é de todo mundo, viu?

Haroldo - E a senhora cala essa boca.

Olga - Calo nada! Calo nada! Quer ver? (Sobe na cadeira e bate palmas. A Picuinha.) Dá nele! Dá nele!

Haroldo levanta-se e agarra Olga. Elza levanta-se também e segura Haroldo. Os três se engalfinham. Vaneide sobe na cadeira e bate palmas.

Vaneide - Vai, mãe! Isso, vó! Güenta, velho!

Maria olha as duas brigas durante algum tempo, e, de repente, dá um murro na mesa.

Maria (Gritando) - Pára! (As brigas param.) Isto tem que ser uma casa de respeito. (Todos se sentam, em silêncio.) Numa casa sem respeito eu não trabalho.

Picuinha - Ô, D. Maria...

Firula - A gente só tava se aquecendo. Não tava, não, Picu?

Elza - Maria...

Vaneide - Pô, Maria, vai embora, não!

Maria - Vou pensar.

Picuinha - Ô, D. Maria...

Maria entra na cozinha, levando os revólveres.

Elza (A Haroldo) - Viu? Viu o quê que você fez?

Haroldo - E o que é que eu fiz? Ela é que é amiga deles e eu é que...

Picuinha - Mais respeito aí, doutor! A D. Maria é gente muito fina, viu?

Olga (A Haroldo) - Se o senhor fosse homem de verdade...

Vaneide - A Maria não ia embora, né, vó?

Picuinha (De repente, gritando) - Puta que pariu, Firu!

Firula - Xinga, não! Xinga, não, que...

Picuinha - Xinga, o caralho! Pega é a D. Maria, senão ela, ó...

Firula (Sem se mexer) - Pô, é mesmo!

Picuinha Corre, merda! (Firula corre e entra na cozinha.) - Pega os berros, viu?

Um tempo. Picuinha, meio sem jeito, tenta arrumar um pouco a sala.

Picuinha (A Elza) - Dona, a senhora me desculpe, mas não foi por mal, não, viu? A gente não vinha pra isto, não. A gente vinha era pra fazer um serviço limpo, bem feito, sem bagunça, sem grito, numa boa, tá entendendo? E eu fico até chateado porque, mesmo que a gente não tenha culpa, é por estas e por outras que todo mundo aí diz mal da gente. Que a gente não presta, que a gente não tem moral, que a gente dá mau exemplo, que a gente é marginal, que a gente devia era tar morto e tudo mais. Mas a gente só paga o pato, a senhora viu, né? A gente vem aqui numa boa e quê que acontece?

Olga (Apontando Haroldo) - Se não fosse aquele ali...

Haroldo - E a senhora? Não fez nada, não?

Picuinha (A Haroldo) - Doutor! (A Elza.) Mas eu garanto à senhora, dona, que não vai acontecer mais não. Não vai mesmo. Quando a gente voltar, eu faço questão que a senhora veja o quê que é um trabalho bem feito. Eu garanto à senhora, dona, que a senhora não vai se arrepender, não, a senhora vai ver.

Elza - E vão voltar, é?

Picuinha (Acenando com a cabeça) - Mas só prá senhora ver o quê que é um trabalho bem feito, tá certo?

Vaneide (A Picuinha) - Eu adorei! Só assustei quando ele te pegou firme na bolachada.

Haroldo - Vaneide!

Vaneide - Pô, papai, o senhor também apanhou da vovó, quê que há?

Picuinha (A Haroldo) - Deixa, doutor. A moça é gente fina e dá pra ver que leva jeito. (A Vaneide.) Mas não tem nada, não. Hoje o Firu me pegou, amanhã eu pego ele e fica tudo numa boa. O Firu é meio assim, mas, no fundo, no fundo, é gente boa. Coração mole tá ali mesmo. Se tem que apagar um, apaga logo, que ver sofrer não é com ele. (Procura cigarros nos bolsos da camisa.) Não parece, não, mas é gente finíssima.

Vaneide (Percebendo os gestos de Picuinha) - É cigarro?

Picuinha (Olhando o chão, à volta) - Eu acho que eu tinha. Mas com a...

Vaneide - Papai, cigarro pro moço. (Haroldo faz de conta que não escuta.) Papai!

 
Página Principal - Cunha de Leiradella - Teatro - Ciberarte - Letras