CADERNOS DO ISTA, 6


 

ANTIGO TESTAMENTO
E DIREITOS HUMANOS (1)

Francolino J. Gonçalves, OP

 


1. Introdução

«Direitos humanos» não é uma expressão nem um conceito bíblicos. A noção de direitos humanos é relativamente recente. Tomou forma e propagou-se a partir do século XVIII. A doutrina dos direitos humanos assenta numa concepção da sociedade centrada na pessoa humana. Segundo essa concepção, a pessoa humana tem como atributo determinados direitos. Decorrendo da sua humanidade, qualquer pessoa humana, independentemente do sexo ou da raça, nasce com esses direitos. Não dependendo de qualquer instância social, nenhuma delas os pode conceder ou retirar. As instâncias sociais podem e devem, isso sim, contribuir para o seu respeito.

Esta concepção da pessoa humana, que hoje nos parece óbvia, não existia na antiguidade (1), pelo menos, nas sociedades do Próximo Oriente, concretamente no mundo bíblico. Conhecem-se muitas e variadíssimas leis, mediante as quais os deuses, através dos seus representantes humanos, se propunham fazer reinar a justiça. Correspondendo à ordem cósmica, a justiça é a vertente social da criação. As leis procuravam defender as pessoas, mormente as mais desprotegidas. No entanto, nenhuma das numerosas colectâneas de leis que sobreviveram – as mais antigas das quais remontam a fins do III milénio a. C. – contém uma reflexão teórica sobre aquilo a que hoje chamaríamos os direitos da pessoa humana. O Antigo Testamento expressa determinadas concepções dos seres humanos, assim como das relações entre os povos, que são pertinentes para aquilo a que chamamos os direitos humanos e, em particular, para os seus fundamentos. Além disso, existem indubitavelmente semelhanças objectivas entre as leis bíblicas e a maior parte dos artigos da « Declaração Universal dos Direitos Humanos » (1948). De aí que seja legítimo comparar o Antigo Testamento com a doutrina moderna dos direitos humanos. É o que vamos tentar fazer.

Sendo o Antigo Testamento uma colectânea de textos muito variados de todos os pontos de vista, escritos em momentos históricos muito diferentes, por grupos sociais que defendiam interesses próprios – não raro em oposição a outros grupos – é natural que nele se expresse uma pluralidade de posições relativamente aos direitos humanos. De facto, algumas dessas posições são até contraditórias. De aí que não seja fácil organizar uma exposição sobre o tema. Proponho-lhes começar pela antropologia, procurando mostrar que três dos principais traços da concepção bíblica dos seres humanos correspondem aos axiomas « Liberdade, Igualdade, Fraternidade », três pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trataremos a seguir da questão das relações entre o « povo » que se expressa no Antigo Testamento e os outros povos. Por fim exploraremos algumas das convergências entre a legislação bíblica e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tomando como referência a legislação deuteronómica.

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Notas
(1) J. G audemet , « Des “droits de l'homme”dans l'Antiquité? », in R. F eenstra et al. (ed.), Collatio Iuris Romani. Études dédiées à Hans Ankum , Amsterdam, J. C. Gieben, 1995, pp. 105-115.

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