CADERNOS DO ISTA, 6






Os Direitos Humanos
e a Igreja
(1)

António José
Ribeirinha Barreleiro

O único que é universal aos Direitos
Humanos é a sua universal violação.



1. - Introdução

A tarefa da promoção e defesa dos Direitos Humanos é assumida pela Igreja, que a considera como inerente à sua missão evangelizadora, porque toda a transgressão dos direitos humanos “deve ser superada e eliminada, por ser contrária ao plano de Deus” (G.S.,29).

A luta solidária pelos Direitos Humanos não se pode limitar à sua defesa genérica ou pontual, nem sequer à denúncia das violações. Deverá comprometer-se na mudança daquelas estruturas que os inviabilizam e apresentar propostas de modelos alternativos. Deverá incidir, especialmente, no empenhamento por gerar uma nova cultura no que diz respeito ao Homem. A fé e a antropologia cristã que dela deriva teriam de afinar a nossa sensibilidade e radicalizar a nossa contribuição.

Neste tema que nos ocupa, a saída não passa por uma compreensão renovada da Igreja, mas por uma vivência colectiva e difusão da eclesiologia do Vaticano II, bem como, pelos contributos eclesiológicos que nos chegam das Igrejas do Terceiro Mundo, que têm um importante papel.

A nossa paixão pela Igreja reforça a paixão pelo homem e pelo mundo em que o homem vive. É no mundo do homem, na sociedade, onde se deve centrar a nossa decisão de lutar pelo reconhecimento e respeito desses direitos básicos. Para nós, crentes, a Igreja aparece então como aquela que, ao mesmo tempo que reivindica o mistério do homem, deixa transparecer o coração de Deus que ouve as queixas dos que são maltratados, toma o seu partido e quer mudar a sua sorte. A defesa dos direitos humanos é consubstancial à Igreja. Ela é o Sacramento de Salvação da humanidade (cfr. Filp. 2, 3-11).

Velar pelos direitos fundamentais do homem e defendê-los contra qualquer agressão é parte da missão constitutiva da Igreja.

 
2. - A Igreja e os Direitos Humanos
a) - Que entendemos por Direitos Humanos?

Apesar das dificuldades, podemos afirmar que a consciência dos direitos humanos tem vindo a ganhar terreno na sociedade contemporânea. Contudo, o alargamento do âmbito do uso do termo tem feito que a significação do mesmo se torne mais imprecisa (1).

Por isso no âmbito do direito discute-se hoje sobre a terminologia, o alcance, a definição e a fundamentação dos direitos humanos.

Ao falar de direitos fundamentais do homem “quer-se manifestar que toda a pessoa possui uns direitos morais pelo facto de sê-lo e que estes devem ser reconhecidos e garantidos pela sociedade, o Direito e o poder político sem nenhum tipo de discriminação social, económica, jurídica, política, ideológica, cultural ou sexual. Mas ao mesmo tempo quer-se sublinhar que esses direitos são fundamentais, quer dizer, que se encontram estreitamente conectados com a ideia de dignidade humana e são ao mesmo tempo condições de desenvolvimento dessa ideia de dignidade” (2).

Este autor, faz a seguir algumas considerações importantes: diz que se trata dos direitos mais essenciais, conectados com necessidades humanas básicas; que entre eles há uma hierarquia; que, em correspondência com eles, há alguns deveres e obrigações fundamentais; que os direitos são lógica e sociologicamente anteriores aos deveres e que os primeiros servem como justificação dos segundos; que o exercício dos direitos fundamentais não é ilimitado, há possibilidade de restrições que devem ser reguladas em previsão de arbitrariedades; que a defesa dos direitos humanos constitui a pedra de toque da justiça do Direito e da legitimidade do Poder (3).

Quanto à fundamentação dos direitos humanos, têm surgido distintas correntes e escolas, que poderíamos sintetizar em três:

a) - a fundamentação iusnaturalista , seja a natural que assenta o direito na natureza objectiva, seja a atnuada - também chamada deontológica - que assenta o direito no sujeito, como qualidade moral ou qualidade inerente ao mesmo;

b) - a fundamentação historicista , que considera os direitos como direitos históricos;

c) - a fundamentação ética , que os considera como direitos morais conectados com a dignidade humana e derivados dela.

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b) - O humano na Igreja

Disse K. Rahner que “a graça e a sua manifestação histórica e real na Igreja tem sempre como algo de essencial o que denominamos por natureza”. Evoca com isso, ainda que num marco distinto de compreensão, a afirmação tomista de que a graça não destroi a natureza.

Sabemos que todo o humano foi assumido pela graça. Na ordem ou economia desta na Igreja o homem permanece com seus direitos e deveres fundamentais como homem. Mas estes direitos e deveres na Igreja reforçam-se e radicalizam-se em base da antropologia cristã. E o respeito àqueles se torna tanto mais imperativo na Igreja quanto mais se agudiza desta o sentido da sua missão.

A fé cristã percebe no homem individual e social a imagem de Deus uno e trino. O homem converte-se pela presença de Deus nele num sacramento (4) do divino. E a causa do homem converte-se na causa de Deus.

Se a antropologia cristã urge à defesa dos dos direitos do homem e lhes empresta uma mais funda fundamentação, a Igreja descobre que, ao actuar em prole dos direitos humanos, “não faz nada mais e nada menos do que aplicar a sua missão de evangelização a uma situação concreta” (5).

A dignidade do homem manifesta-se principalmente, segundo a doutrina da Igreja, através dos direitos fundamentais da pessoa.

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c) - A contradição entre teoria e prática eclesiais

A nivel de enunciados doutrinais a Igreja vem apelando ao direitos fundamentais do homem e reclamando insistentemente o seu respeito. O magistério episcopal e papal dão fé disso. Centrando-nos simplesmente nos documentos do Concílio Vaticano II, ali encontraremos afirmações de induvidável vigor e alcance. O n.29 da Gaudium et Spes é especialmente significativo. Partindo da dignidade do homem afirma-se a igualdade básica, afasta-se todo o tipo de discriminação assim como as desigualdades inumanas e injustas, advoga-se pelos direitos fundamentais e reclama-se das instituições um colocar-se ao serviço dos mesmos e a sua defesa firme.

A Igreja tem consciência de que não deve apenas olhar para fora de si, mas deve tomar consciência de que em seu seio há também direitos a respeitar e a exercitar expressos no novo Código de Direito Canónico. O Livro II acerca do Povo de Deus e especialmente o Título I acerca dos deveres e direitos de todos os fieis, dão boa conta disso.

A doutrina é bastante clara, a prática pelo contrário deixa muito a desejar. Não podemos generalizar com ligeireza.Era necessária uma análise pormenorizada do assunto. Mas no concerne à prática intraeclesial dos direitos humanos, o balanço tem que reflectir hoje forçosamente muitos pontos de negatividade.

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Notas

(1) Cfr. Los derechos humanos. Sifnificación, estatuto jurídico y sistema. Sevilla 1979, p. 14-15.

(2) Crf. Eusebio Fernández, Teoria de la justicia y derechos humanos, Madrid 1984.

(3) Ibidem

(4) Cfr. J. Moltmann, La fe y los derechos humanos, in Praxis cristiana y producción teológica, Salamanca 1979.

(5) Cfr. J. Comblin, La nueva prática de la Iglesia en el sistema de Seguridad Nacional, México 1975.

 



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