CRISTIANISMO E IDENTIDADE PESSOAL
Manuel Sumares

IN: IDENTIDADE PESSOAL:
Caminhos e Perspectivas
Francisco Teixeira (coordenação)
Coimbra, Editora Quarteto, 2004

Contar histórias

A Implicação de uma Personalidade Transcendente e o Princípio Dia-lógico

A Constituição Narrativa da Identidade Pessoal e a Promessa como Acto da Linguagem

Uma Antropologia Bíblica e a Questão do Desejo

Últimas Considerações

Últimas Considerações
Os Reformadores ofereceram, na sua doutrina da salvação, um esquema segundo o qual a salvação se realiza e a identidade pessoal do sujeito humano se afirma. Em cada passo, uma ênfase é posta na prioridade da graça soberana, operando através das implicações da nova aliança e significando uma efectiva intensificação e progressiva identificação com o Cristo. Este esquema chama-se a ordem da salvação, ou a ordo salutis.

Uma sequência típica seria algo assim: chamada, regeneração, conversão, justificação, adopção, santificação, perseverança e glorificação. Em cada passo, ou acto decisivo no processo de salvação, há a transformação da identidade pessoal no tornar-se como Cristo. Evidentemente, a glorificação culminante representa a união escatológica realizada, e, assim, a identificação completa com o Cristo. (Entende-se a “gloria” como significando a presença manifesta e transformadora de Deus na criação, ou na criatura humana).

Os escritos paulinos estão repletos deste género de ensinamentos, por exemplo, o autor da carta aos Colossenses diz: “/E aos santos Deus deu/ também a conhecer a imensa riqueza desse plano para todos os povos. E o plano de Deus é que em vocês está Cristo que é a vossa esperança da glória divina (1: 27-28)”. Ou, mesmo, mais dramaticamente, todo o capítulo 8 dos Romanos fala desta transformação da identidade pessoal em Cristo. Eis um exemplo:

“Todos os que são guiados pelo Espírito são filhos de Deus. E o Espírito que receberam não vos torna escravos nem medrosos, mas torna-vos filhos de Deus. É ele que nos faz exclamar: ‘Abba’, quer dizer ‘meu Pai’. E esse Espírito que ensina ao nosso espírito que nós somos filhos de Deus. /…/ Se sofremos com ele, também tomaremos parte na sua glória (8:14-17).”

Para terminar, completo os versículos de Paulo com alguns versos da poesia de Gerard Manley Hopkins, uma outra fonte de expressão da identidade pessoal ligada ao Cristo, a imagem de Deus invisível, por quem todas as coisas são feitas, e em quem todas as coisas se sustêm. Sobre isso, Hopkins escreveu:

“Each mortal thing does one thing and the same:

Deals out that being indoors each one dwells; Selves – goes itself; myself it speaks and spells

Crying what I do is me: for that I came.

Acts in God’s eye what in God’s eye he is –

Christ – for Christ plays in ten thousand places,

Lovely in limbs, and lovely in eyes not his

To the Father through features of men’s faces.”

E, também, em versos inspirados em 1 Coríntios, acerca da transformação de si em Cristo:

“In a flash, at a trumpet crash,

I am all at once what Christ is, since he was what I am and

This Jack, joke, poor potsherd, patch, matchwood, immortal diamond,

Is immortal diamond.”