Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO IV* - Da maneira que el-rei D. Pedro tinha nos desembargos de sua casa_. 

Pois d'este rei achamos escripto que era muito amado de seu povo, pelo manter em direito e justiça, dês-ahi boa governança que em seu reino tinha, bem é que digamos de cada cousa um pouco, por vêrdes parte dos modos antigos.  

Na ordenança de todos os desembargos, tinha el-rei esta maneira: quantas petições lhe a elle davam, iam á mão de Gonçalo Vasques de Goes, escrivão da puridade, e elle as dava a um escrivão, qual lhe prazia, o qual tinha encargo de as repartir, e dar cada uma aos desembargadores a que pertenciam; e as petições que eram desembargos de commum curso, aquelles, por que deviam passar, mandavam logo fazer as cartas a seus escrivães, de guisa que n'aquelle dia, ou no outro seguinte, eram as partes desembargadas, e o escrivão que o assim não fazia, perdia a mercê de el-rei por ello.  

As outras petições, que eram de graça e mercê, que pertenciam á sua fazenda, fazia-as pôr em ementa a seu escrivão, e este escrevia por sua mão as petições que assim levava, cujas eram, e de que cousa, e este escripto ficava na mão do desembargador; e quando as depois desembargava com el-rei, se achava mais petições postas na ementa, que aquellas que lhe elle mandara pôr, visto o escripto que em seu poder ficava, por tal erro perdia a mercê de el-rei; e como aquella ementa era desembargada com el-rei, diziam os desembargadores a cada uma pessoa a mercê que lhe el-rei fazia, e mandavam a seus escrivães que lhe fizessem logo as cartas, e n'esse dia haviam de ser feitas, ou no outro o mais tardar, sob a pena que dissemos. E se ahi havia taes porfiosos que andavam mais após el-rei, afincando-o com outras petições depois que haviam desembargo de sim ou de não, ou moravam mais tempo na côrte, se era honrado pagava certa pena de dinheiro, e se pessoa refece davam-lhe vinte açoutes na praça, e mandavam-no para casa; e trazia el-rei inculcas que lhe soubessem parte de taes homens, por se cumprir n'elles sua ordenação.

Por el-rei não ser annojado de vêr duas vezes as mercês que fazia, uma por ementa e outra por cartas, e por aquelles que o requeriam haverem mais toste seu desembargo, fazia-se d'esta guisa: quando el-rei outorgava algumas mercês a alguem, os que lhe haviam de dar desembargo escreviam logo na ementa, perante el-rei, a maneira como lh'as dava, e em cada um desembargo punha el-rei seu signal, e o chanceller estava presente, quando podia, para vêr como as el-rei desembargava. E tanto que os desembargadores tinham as cartas feitas e assignadas, mandavam-nas ao chanceller com o rol da ementa que el-rei assignara, por não pôr duvida em alguma d'ellas, e logo n'esse dia haviam de ser selladas, ou no outro até ao jantar. Se el-rei ia a monte ou á caça, em que durasse mais de quatro dias, por nenhuns serem detidos por elle, juntavam-se os que tinham as petições das graças e viam aquillo que cada um pedia, e se lhe parecia que não era bem de lh'o el-rei fazer, escreviam-lhe pelo meudo por qual razão, e as que viam que devia outorgar, punham-lhe isso mesmo por quê, e assignavam todos a ementa, e levava-a um d'elles a el-rei, por lhe dizer a razão que os movera a fazer ou não cada uma cousa; e d'esta guisa haviam as gentes bom desembargo, e el-rei era fóra de muito nojo e afincamento.  

Se alguns concelhos haviam de recadar com elle, mandava-lhe que enviassem em escripto cerrado e sellado, por um porteiro, tudo o que mister haviam, e logo lhe el-rei taxava que houvesse por dia quatro soldos, e mais não, e el-rei, visto o que lhe pediam, livrava-o logo, sem outra detença, como achava que era direito. E se tal cousa era que cumpria de esse concelho enviar a elle alguns bons homens, e entendidos, mandava el-rei que não enviassem mais de um, por fazer o concelho mais pouca despeza; e mandava que tal como este não houvesse por dia mais que vinte soldos.