Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO XXXII*   _De algumas cousas que el-rei Dom Pedro de Castella mandou fazer, e como fez paz com el-rei de Aragão entrando em seu reino_.

Nós deixámos, antes d'isto, el-rei Dom Pedro de Castella em Sevilha, prendendo e matando como lhe vinha á vontade, e contámos a morte de alguns que depois matou, com outras cousas que se, em Portugal, em esta sesão passaram, no anno de trezentos e noventa e oito.  

E depois que se fez aquelle feio escambo dos cavalleiros de um reino ao outro, segundo ouvistes em seu logar, mandou el-rei Dom Pedro matar de mui cruel morte Dom Pero Nunez de Guzman, adiantado-mór da terra de Leão, que era um d'elles; e mandou matar Guterre Fernandez de Toledo, seu reposteiro-mór, e trouxeram-lhe a cabeça d'elle. E Gomez Carrilho, filho de Pero Rodriguez Carrilho, indo mui ledo em uma galé, em que el-rei fingiu que o mandava para lhe entregarem a villa de Aljazira, para estar ahi por fronteiro, e o patrão cortou-lhe a cabeça, que mandou a el-rei, e deitou-lhe o corpo ao mar, e foi presa a mulher e os filhos d'este Gomez Carrilho.  

E mandou matar um cavalleiro de Castella, que chamavam Diego Guterrez de Ceballos. E deitou fóra do reino Dom Vasco, arcebispo de Toledo, depois que matou seu irmão Guterre Fernandez, e mandou-lhe tomar quanto tinha, que sómente um livro não levou comsigo, nem outra roupa senão a que tinha vestida, e foi-se para Portugal, e morreu em Coimbra.  

Mandou prender Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-mór, e grão privado do seu conselho, e quantos parentes tinha pelo reino, em um dia; e tomou a elle, e aos outros todos, quanta riqueza lhe achou, e foram-lhe dados grandes tormentos, e nas taracenas de Sevilha preso morreu.  

Em este anno, cuidou el-rei Dom Pedro haver guerra com el-rei Vermelho de Granada, que diziam que tinha a parte de el-rei de Aragão. Este rei Vermelho lançara rei Mafoma fóra do reino, mas logo fez preitesia com el-rei Dom Pedro, que o não turvasse com el-rei Mafoma seu inimigo, pero que houvesse el-rei gram sanha d'elle, porque lhe em tal tempo quizera fazer guerra.  

E isto assocegado, no mez de janeiro de tresentos e noventa e nove, foi-se el-rei a Almançan, com muitas companhas que comsigo levava, para entrar no reino de Aragão.

E foram d'esta vez em sua ajuda seiscentos portuguezes, e ia por capitão d'elles o mestre de Aviz, Dom Martim de Avelal, bom fidalgo e muito honrado, e de que se todos tiveram por contentes. E ganhou el-rei de Castella, em Aragão, d'esta vez, alguns logares.  

E o cardeal de Bolonha, legado do papa, falou com el-rei que desse logar a se não espargir tanto sangue como estava prestes, cá el-rei de Aragão, com todo seu poder, estava disposto para pelejar com el-rei de Castella, cá via que por guerra guerreada não podia igualar com elle.  

E tinha el-rei de Castella, então, seis mil de cavallo e muita gente de pé. E receiando-se de el-rei Vermelho de Granada, que lhe diziam que tinha feito liga com el-rei de Aragão para lhe fazer guerra, se mais durasse aquella contenda, pela qual se desencaminharam muito seus feitos, fez paz com el-rei de Aragão, fingida e contra sua vontade; e foi que el-rei de Aragão enviasse fóra do reino o conde Dom Henrique, e Dom Tello, e Dom Sancho, seus irmãos, e os cavalleiros e escudeiros de Castella que com elles estavam em Aragão,--e que el-rei de Castella lhe tornasse todos os logares que lhe tomados tinha de seu reino, e d'ahi em diante fossem amigos. E foram d'isto feitas escripturas, e apregoada a paz no arrayal, e prouve d'isto muito a quantos alli eram, porque a guerra que faziam era muito contra sua vontade.