Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO XIX* _Como el-rei de Castella entrou por Aragão e das cousas que fez n'este anno_.

El-rei de Castella, emquanto mandou a Aragão o recado que haveis ouvido, antes que a resposta de lá viesse, com desejo de tomar vingança, mandou á pressa armar sete galés e seis naus; e metteu-se el-rei n'ellas, cuidando de achar na costa de Portugal aquelle cavalleiro, e chegou até Tavira, e soube que era passado, e tornou-se para Sevilha; e mandou el-rei as galés á ilha de Iviça, e começou-se a guerra por todas as partes.  

N'isto começou-se a era de mil trezentos e noventa e cinco, em cuja sesão morreu el-rei Dom Affonso de Portugal, a que este rei Dom Pedro, seu neto, mandara pedir ajuda para esta guerra, segundo antes havemos contado; e vendo el-rei de Aragão a não boa maneira que el-rei de Castella com elle queria ter, fel-o saber ao conde Dom Henrique e a alguns cavalleiros castelhanos que andavam em França por medo de el-rei Dom Pedro, e o conde com elles vieram-se para elle, e el-rei os recebeu mui bem e deu ao conde certos castellos em que tivesse suas gentes, e soldo para oitocentos de cavallo.  

El-rei de Castella, como isto soube, partiu de Sevilha e entrou por Aragão, e tomou alguns castellos, e tornou-se para Deça, uma sua villa na fronteira de Aragão; e acendia-se a guerra cada vez mais.  

E alli chegou a elle o cardeal Dom Guilhem, legado do papa Innocencio, para pôr avença entre elles, e não podendo fazer que cessasse a guerra de todo, por as cousas mui graves de outorgar que el-rei Dom Pedro requeria a el-rei de Aragão, fez entanto uma tregua de quinze dias, os quaes durando, tomou el-rei Dom Pedro a cidade de Taraçona. E o cardeal se aggravou contra el-rei, dizendo que emquanto elle fôra falar a el-rei de Aragão, durando ainda os dias da tregoa, tomara elle aquella cidade, e el-rei dizendo que já eram passados, e o cardeal dizendo que não, ficou o lugar por el-rei bem fornecido de gentes.  

E d'esta segunda vez que el-rei entrou em Aragão e tomou a cidade de Taraçona, se vieram para elle muitas gentes de seus reinos e alguns inglezes, em guisa que eram sete mil de cavallo e dois mil ginetes e muita gente de pé.  

E vendo o cardeal que não podia entre os reis tratar firme paz, ordenou que houvessem tregua por um anno, e foi apregoada uma segunda-feira, dez dias de maio d'esta era, e el-rei veiu-se então a Sevilha por mandar fazer galés, e encaminhar de fazer armada no anno seguinte, tanto que as treguas fossem saidas.  

N'este comenos, durando a tregua, tratou Pero Carrilho, que vivia com o conde Dom Henrique, suas avenças com el-rei Dom Pedro, que o herdasse em seu reino e que se viria para elle; e a el-rei prouve, e fel-o assim. E Pero Carrilho, desde que segurou por alguns dias, guisou como pudesse levar a condessa Dona Joanna, que estivera presa desde que el-rei tomara a villa de Toro, para o conde seu marido, e foi assim de feito que a levou.  

E d'esta guisa cobrou o conde sua mulher, e pesou muito a el-rei Dom Pedro quando soube que a assim levaram.