Após o vinte e cinco de Abril, e principalmente
depois da tumultuada, irracional, criminosa e indisciplinada revolução que
foi o PREC, comecei a ouvir críticas a Mário Soares, em que o
questionavam e até acusavam de “nada ter feito” por Sarmento Pimentel, que
todos sabiam alimentava o sonho de representar Portugal no Brasil, o qual
– diziam – poderia ter sido concretizado por Soares quando desempenhou as
funções de ministro dos negócios estrangeiros. Ignoravam esses críticos
que em 1974 Sarmento Pimentel já tinha ultrapassado os oitenta e cinco
(85) anos de idade, motivo impeditivo para a sua nomeação como embaixador
de Portugal no Brasil, apesar de sua lucidez, de sua vitalidade e de sua
perfeita saúde.
Alguns desses críticos procuraram-me inquirindo
se eu poderia fazer alguma coisa, em favor do venerando republicano e
democrata, que dedicara a sua longa existência à luta pela democracia em
Portugal, que em sua opinião só viu implantada após o 25 de novembro de
1975, porquanto o que até então ocorria na sua terra era tudo menos
democracia. Se antes Sarmento Pimentel falava da “Pátria Madrasta”, agora
era um crítico menos ácido mas ainda assim contundente, mormente de
governos que considerava fracos, aqui incluído o de Mário Soares, que o
visitou em São Paulo em 1976, sem qualquer agrado, distinção ou láurea que
distinguisse o velho combatente de quase noventa anos.
Naquela altura eu mantinha permanentes contatos
com o governo, particularmente com o meu amigo e distinto militar Mário
Firmino Miguel, à época ministro da defesa, mas também com a Presidência
da República através do distinto e brilhante oficial do meu curso de
entrada na Academia Militar José Pimentel, secretário e ou chefe de
gabinete do Presidente Ramalho Eanes; o Presidente, visitando São Paulo em
1978 (salvo erro) aqui condecorou o nobre e antigo refugiado político.
Entretanto Sarmento Pimentel – a quem a revolução dos cravos promovera a
tenente coronel, quando apagadas figuras o foram a coronel – continuava
quase como que “esquecido” pelo novo Poder e ou pela Pátria, que até então
não deixou de considerar “madrasta”.
Muitos diziam e eu sentia ser necessário “fazer
alguma coisa”, o que significava tomar uma atitude, que naturalmente só
teria resultados na eventualidade de ser obra de quem tivesse alguma
projeção, seriedade e credibilidade. Aproveitei uma ida a Lisboa e fui ao
Restelo, onde, no antigo edifício do Estado Maior General das Forças
Armadas, funcionava o Conselho da Revolução. Procurei pelos oficiais do
meu curso da Academia Militar, encontrei o Marcelino e depois o Serra
Pinto, de quem me disseram ter sido comandante do Marques Júnior, suponho
que nos flechas em Moçambique. E foi ele que se colocou à disposição para
me levar ao gabinete desse conselheiro que eu não conhecia.
Fidalgamente recebido por Marques Júnior, fui
direto ao assunto dizendo-lhe pretender a promoção a general do velho
capitão, que considerava, naquele momento e dada a sua provecta idade –
estava completando noventa anos - a única e apropriada distinção a ser
conferida a Sarmento Pimentel. Como se ia iniciar uma reunião do C.R.
agradeci ao conselheiro a atenção e interesse manifestado quando em
resposta ouvi dele: “Não é ao meu capitão que compete agradecer, mas a
mim, porque acaba de me chamar a atenção para aquilo que é um DEVER do
Conselho da Revolução”. Marques Júnior era o mais jovem e menos
graduado dos membros do conselho, mas eu acabava de constatar que ele era
– decerto – um dos mais maduros conselheiros.
A esta cena seguiram-se as diligências do já
então capitão – era tenente no 25 de abril – que “lutou” três ou quatro
anos pela promoção a general de Sarmento Pimentel, em virtude de alguns de
seus companheiros serem contra essa distinção, apenas e só porque o velho
capitão era independente, tinha luz própria, não servia a ideologias
alienígenas e jamais se deixara manipular. E de diligência em diligência
chegamos às vésperas da extinção do Conselho da Revolução, altura em que
enviei uma carta ao seu presidente Ramalho Eanes, na qual renovava o meu
apelo e afirmava : “Não sei quem terá mais motivos para orgulhar-se; se
o Exército Português em ter Sarmento Pimentel como general, ou Sarmento
Pimentel em ser general do Exército Português”.
E a carta terminava insistindo que essa última
reunião do Conselho da Revolução, seria também a última oportunidade para
a efetivação de um ato de justiça inadiável, qual fosse a promoção de
Sarmento Pimentel a general. Solicitava ainda a Ramalho Eanes que nomeasse
Marques Júnior para vir a São Paulo colocar as estrelas nos ombros do
grande português. A reunião prolongou-se até o fim da tarde do dia 24 de
abril, a promoção foi aprovada, Marques Júnior foi nomeado e saiu à pressa
para comprar as estrelas, seguir para o aeroporto e embarcar para o
Brasil. E no dia seguinte – 25 de abril – reunimo-nos em casa do novo
general onde o Conselheiro da Revolução lhe entregou – ver foto – o estojo
com as estrelas do novo posto. Dali foi inaugurar o Centro Cultural 25 de
Abril de São Paulo.
José Verdasca
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