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:::::::::::Herberto Helder
A faca não corta o fogo
Fragmentos coligidos por Rui Mendes
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não some, que eu lhe procuro, e lhe boto

faca à garganta, ou lhe boto

na cabeleira tanta tanto fogo que você vira incêndio

em que se não tem mão, puta,

eu sei mas não me importa, quero é te apanhar

em uma braçada como de espuma,

mas se some eu lhe dano, essa sim, a puta de sua vida,

alta criatura chegada na terra muda,

em todo lado,

o dia todo,

a noite toda,

como se vê que uma árvore tem tanta folha luzindo

em toda parte dela e do vento e do tempo

 

e de minha ideia,

não some não, que eu desmundo

cada sítio do mundo onde

você estava ou está ou há-de estar, e comunico só do toque

que lhe ponho num mamilo,

no umbigo,

no clitóris,

na unha mindinha do pé esquerdo,

só porque tu estremece dos estudos de meus dedos exultantes,

não some nunca, fica morrendo de meu sopro,

ou dá luz como folha contada uma por cima de outra,

dá ao elemento ar um alvoroço e uma largura química,

seiva tão moça,

e aturdida ^que se me faz que seja puta? dizem

por i, de gente

em gente ^que é isso: puta?

pequena, se fôr às raízes latinas,

mas tudo cresceu tamanho, grão de cobre

esparzido pelas capitais do corpo: púbis, cabeça,

porque você é tão cerrada em sua vida própria,

trigo na noite,

excessiva beleza terrestre bruxuleando um pouco adentro,

que besteira de lhe chamar de puta,

de pequena,

ou mesmo se lhe chame de grande puta,

se der o fora

;ai dolor!

 

se sabedes novas da minha amiga, socorro de minha baixa biografia,

ai Deus e u é?

vou à procura, encontro, ponho

vitríolo em teu rosto, desfiguro, ou com o calor da mão toco no pêlo

por você acima,

casa ardendo cheia de uma estrela incalculável,

jah minha boca lhe come externa de nenhuma roupa sobre que

carne soberba!

das plantas dos pés às pálpebras,

inteira,

e outra vez dos geolhos ou joelhos, como queira, à côna, e da côna,

divertimento linguístico lato sensu,

ao rés da penugem na testa rápida, amor,

não provoque, não some, que esse

beijo que agora começo é para não

acabar nunca,

não queira que eu vá crer em Deus e pedir milagre,

fique, tão puta quanto seja, com

seu jeito de água marítima,

balançando, menininha, barca bêbeda,

mas enredada em mim como o alimento luminoso no

bicho da terra vil e tão pequeno,

ah se incendeie a gente um do outro, que morte

ou vida mais total

não há, não some não, amor

da puta de minha vida indistinta,

noite onde me envolvo para sempre,

 

que simples, contudo, com tudo isso, que é se cruzar com o mundo,

fique, fica junto, funda fêmea, que você já me está

fundada no sangue desde que outrora, e agora, e na hora da nossa







A Faca Não Corta O Fogo

súmula & inédita
Páginas 191/193
LISBOA . ASSÍRIO & ALVIM, 2008