GEOMONUMENTOS
DE LISBOA








EXTRACTOS DE:
JAZIDA DE BRIOZOÁRIOS DO MIOCÉNICO INFERIOR DE LISBOA
Pólo Sampaio Bruno
Por A.M. Galopim de Carvalho
Edição do Museu Nacional de História Natural
Patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa - 2000

III - OS BRIOZOÁRIOS DO MIOCÉNICO INFERIOR DA RUA SAMPAIO BRUNO
b) Anasca

Biflustra savartii (Savigny-Audouin, 1826)

Zoário incrustante ou erecto, de forma variável. Zoécias sem gimnocisto e de criptocisto muito reduzido, confinado à parte proximal. Estas são contornadas por um rebordo, ou moldura, saliente. Caracteriza-se pela ausência de ovicelos, de aviculários e de dietelas. São frequentes as espículas sobre a moldura, sendo as séptulas pouco numerosas. As zoécias são rectangulares, com o bordo distal ligeiramente convexo e dispõem-se em fiadas paralelas justapostas. Estas fiadas multiplicam-se por dicotomia e as zoécias de duas fiadas consecutivas ocupam posição alternada. As zoécias são contornadas por uma moldura saliente e espessa. A opésia é grande, elíptica e ocupa quase toda a frontal. O criptocisto é muito reduzido, estando confinado à região proximal da zoécia.

Os exemplares de Campo de Ourique são constituídos por zoários unilamelares incrustantes. O núcleo que Ihes serve de suporte é, aqui, formado por uma colónia de celfeporídeo (Holoporella pa/mata), havendo mesmo sobreposição a outros briozoários incrustantes, que anteriormente usaram o mesmo suporte. É o caso de Calpensia calpensis e de Rosse/iana brevipora.

Biflustra savartii é conhecida no Burdigaliano de Cacilhas, no Langhiano de Areeiro e Capuchos (Almada) e no Pliocénico de Carnide (Pombal). Tem actualmente uma distribuição geográfica bastante grande e teve, também, uma larga expansão no Neogénico. Com efeito, tem sido assinalada no Miocénico dos Estados Unidos da América, no Miocénico e Pliocénico do norte de África e da Europa e no Quaternário de Inglaterra e de Itália.

















1 - Rosseliana brevipora
2 - Biflustra savartii
3 - Conopeum reticulum
(25 x)
Conopeum reticulum (Lineu, 1767)

Zoário incrustante. Zoécias dispostas em fiadas longitudinais alternas. Estas fiadas multiplicam-se por dicotomia e irradiam de uma parte central, onde se situa a ancéstrula, para a periferia. As zoécias são sub-rectangulares ou hexagonais alongadas. A opésia é grande e de forma oval a elíptica; ocupa quase toda a frontal da zoécia e é contornada por uma moldura saliente e finamente crenulada. O criptocisto é, praticamente, inexistente e o gimnocisto, confinado à parte proximal da zoécia, apresenta, por vezes, duas depressões laterais (cavidades interopesiais) junto aos ângulos proximais da frontal. Sobre algumas zoécias bem conservadas, podem observar-se duas ou três espinhas orais na parte distal da opésia, sobre a moldura.

À semelhança de Biflustra savartii, também as colónias de Conopeum reticulum de Campo de Ourique são constituídas por zoários unilamelares incrustantes, fixos a um suporte cujo núcleo é uma colónia maciça de Holoporella pallmata. Outras espécies ocuparam o mesmo suporte, simultânea ou sucessivamente, havendo, por vezes, como que uma estratificação de camadas celulares correspondentes a sucessivas colónias que ali viveram. Um dos exemplares de Campo de Ourique, por exemplo, apresenta, sobre um núcleo maciço de Holoporella palmata, uma primeira camada formada por Schizoporella unicornis, à qual se sobrepõe uma outra de Calpensia calpensis. Finalmente, Conopeum
reticulum
, neste caso o último ocupante do dito suporte, cobre indiferentemente as anteriores.

Esta espécie, conhecida desde o Eocénico, vive ainda. A sua expansão é enorme em todos os oceanos e em quase todas as latitudes. C. reticulum habita as águas da costa portuguesa, tendo sido assinalada em Leixões (Rosas, 1944), sob a designação de C. lacroixii (Audouin).

No estado fóssil tem sido encontrada no Oligocénico e no Miocénico de França, no Tortoniano da Polónia, da Bacia de Viena e da Transilvânia, no Miocénico de Espanha e do norte de África, no Pliocénico de Itália e da Tunísia e no Ouaternário de Inglaterra. Em Portugal é ainda conhecida no Langhiano do Areeiro (Lisboa) e no Serravaliano da Encarnação, também em Lisboa.

Nos briozoários pertencentes à divisão Coilostega, os músculos parietais fixam-se no ectocisto, atravessando o criptocisto através de opesiolos. Possuem sistema hidrostático zoarial, mas cada zoécia dispõe de um hipostega (Fig 5). Conhecida entre o Jurássico e a actualidade, comporta dez familias, quatro das quais estão presentes no Aquitaniano de Campo de Ourique:

Onychocellidae (Jullien, 1881),
Microporidae (Hincks, 1880),
Calpensidae (Canu e Bassler, 1923) e
Thalamoporellidae, (Levinsen, 1902)

Fig. 5 - Anasca, Coilestega. Esquema do sistema hidrostático zoarial. A - Frontal da zoécia. B - Corte longitudinal da zoécia. Polipídio recolhido e membrana frontal não deformada. C - Idem. Assomo do polípídio com deformação da membrana frontal. D - Corte transversal da zoécia. Fibras musculares ligando a membrana às paredes laterais da zoécia, através dos opesíolos. (1 - abertura: 2 - criprocisto: 3 - fibras musculares: 4 - membrana frontal: 5 - opérculo: 6 - opesíolo; 7 - polipídio: 8 - tentáculos).

Na família Onychocellidae o zoário é incrustante ou erecto, de forma variável. O criptocisto é bem desenvolvido e a opésia pequena. Os aviculários são interzoeciais e correspondem a autozoóides modificados, tomando o nome particular de onicocelários. Os ovicelos são endozoeciais e de pequenas dimensões. A única espécie aqui representada é:

Onychocella angulosa
(Reuss, 1847)
(imagem 2 na figura ao lado)

O zoário é incrustante e desenvolve-se radialmente à volta da zoécia primitiva (ancéstrula). As zoécias são mais ou menos hexagonais ou irregularmente trifoliadas e contornadas por uma moldura saliente. O criptocisto é plano ou ligeiramente convexo e não apresenta qualquer decoração. A opésia, de forma trapezoidal, situa-se na metade distal da frontal da zoécia. O seu bordo proximal é rectilíneo ou ligeiramente côncavo e corresponde ao lado maior do trapézio. Os onicelários interzoeciais são fauciformes e muito alongados.

Em Portugal esta espécie é conhecida no Langhiano do Areeiro e da Trafaria-Murfacém e no Serravaliano da Encarnação.Apenas conhecida como fóssil, foi referenciada noAquitaniano e Burdigaliano do sudoeste da França, no Tortoniano da Polónia e da Bacia de Viena e no Pliocénico da Tunísia e de Marrocos.

A família Microporidae, de zoários incrustantes ou livres, é caracterizada pela existência de músculos parietais fixados ao ectocisto, atravessando o criptocisto calcário através de dois orifícios (opesíolos) ou por duas chanfraduras opesiolares cavadas uma de cada lado da opésia.
A espécie aqui representada é:


Rosseliana brevipora
(Canu e Lecointre, 1927)

(imagem 1 na figuar ao lado)

 

Zoário incrustante, tendo como suporte outras colónias de briozoários. As zoécias são ogivais, apresentando criptocisto liso, plano e pouco profundo. A moldura é fina e mais saliente na parte distal, sobre a opésia; esta é semicircular, mais larga do que alta e o seu lábio proximal é ligeiramente convexo. O ovicelo é endozoecial, saliente e os aviculários desconhecidos.

No caso presente é Calpensia calpensia que, de preferência, lhe serve de suporte. Por sua vez, Conopeum reticulum vem fixar-se, posteriormente, sobre este conjunto, cujo núcleo central de suporte é, como na maioria dos casos, Holoporella palmata. No estado fóssil é ainda conhecida no Helveciano do oeste e sudoeste da França.

Na família Calpensidae o zoário é incrustante ou erecto. As zoécias apresentam um criptocisto bem desenvolvido, perfurado por um ou mais opesíolos que permitem a passagem das fibras musculares relacionadas com o sistema hidrostático. Apenas uma espécie está representada no Aquitaniano de Campo de Ourique:
Calpensia calpensis (Busk, 1854 )
(Imagem 1 da penúltima figura)

Zoário incrustante, em geral multilamelar e tendo como suporte fragmentos de conchas de lamelibrânquios (Pectinídeos e Ostreídeos) ou outras colónias de briozoários (Celeporídeos, em geral). As zoécias dispõem--se em fiadas longitudinais alternas; são hexagonais, alongadas ou sub-rectangulares e apresentam moldura saliente em todo o seu contorno. O criptocisto está completamente desenvolvido e apresenta-se sempre finamente granulado. A opésia, de forma semicircular ou semielíptica, de lábio proximal sensivelmente rectilíneo, abre-se na parte distal da zoécia; é contornada por um peristoma saliente, à altura da moldura zoecial. Dois pequenos opesíolos perfuram o criptocisto, no ângulo formado pelo peristoma e pela moldura, e situam-se nas extremidades de uma pequena depressão transversal. Os aviculários e o ovicelo são desconhecidos. O exemplar figurado mostra uma ancéstrula fixada sobre a colónia.

Na família Thalamoporellidae o zoário é incrustante ou erecto ramificado. As zoécias são providas interiormente de espículas. Os opesíolos são bem distintos e nunca substituídos por chanfraduras opesiolares. Os aviculários interzoeciais são alongados ou arredondados. O ovicelo hiperstomial é saliente e composto por duas câmaras separadas por um septo mediano.

Esta família está representada no Aquitaniano português por um só género: Thalamoporella, com duas espécies:

Thalamoporella neogenica (Buge, 1950)

Zoários multilamelares sobrepondo-se em camadas sucessivas. O suporte é constituído pela acumulação de outros briozoários, à semelhança do que já acontece com outras espécies. loécias sub-hexagonais alongadas, contornadas por uma moldura saliente. O criptocisto é desenvolvido, ligeiramente convexo no sentido do comprimento; apresenta duas depressões laterais, longitudinais perfuradas, correspondentes aos dois opesíolos elípticos e, em geral, dissimétricos. A opésia é terminal, pequena e elíptica, transversal ou semicircular, rodeada por um peristoma que se eleva ligeiramente acima do nível da moldura. o lábio proximal é côncavo ou rectilíneo. Os aviculários são interzoeciais, grandes e de orifício elíptico mais ou menos alongado.

Só conhecida em Portugal no Aquitaniano de Campo de Ourique, foi referenciada no Miocénico de França e do Egipto e no Pliocénico de Itália e de Inglaterra.

Thalamoporella elongata (Canu, 1916)

O zoário é incrustante e as zoécias são sub-rectangulares alongadas e contornadas por uma moldura saliente. O criptocisto é poroso e ligeiramente deprimido na região média, vizinha dos dois opesíolos, grandes, triangulares e dissimétricos. A opésia é circular e contornada por um peristoma saliente, ao nível da moldura zoecial. Os aviculários são interzoeciais alongados, um pouco estrangulados na parte média; este estrangulamento existe também no orifício que é de forma elíptica muito alongada. Os exemplares da Rua Sampaio Bruno estão fixados sobre outras colónias de briozoários (Calpensia calpensis, Holloporella palmata).

Esta espécie, apenas conhecida como fóssil, está também representada no Miocénico inferior da bacia da Aquitânia (França).

As espécies pertencentes à divisão Cellularina apresentam, em geral, zoário ramificado. Os ramos são livres, unilamelares, estreitos e geralmente bisseriados. O ovicelo é, regra geral, hiperstomial e, por vezes, endozoecial. As heterozoécias são bastante diferentes. É conhecida desde o Eocénico até à actualidade. Apenas duas das seis famílias atribuídas aos Cellularina têm representantes fósseis. Ambas estão representadas na fauna terciária de Portugal e apenas uma, Farciminaridae, no Aquitaniano de Lisboa.

Na família Farciminaridae (Busk, 1852) o zoário é ramificado dicotomicamente, constituído por segmentos prismáticos e finos. As zoécias, membraniporóides, sem criptocisto, dispõem-se em quatro ou seis fiadas longitudinais alternas.

Nellia oculata (Busk, 1852)
(Imagem 5 da primeira figura da página seguinte)

 

Pequenos segmentos de zoário, de pequeníssimo diâmetro (0,26 mm). As zoécias são rectangulares alongadas e constituem quatro fiadas que ocupam as quatro faces dos segmentos (prismáticos quadrangulares). A opésia é grande, alongada, e apresenta um rebordo ligeiramente saliente. O gimnocisto é bastante desenvolvido e contém, em geral, dois pequeníssimos aviculários na base. O ovicelo é endozoecial, pequeno e profundo.

Nellia oculata é uma espécie de larga distribuição geográfica, citada no Eocénico de Paris e no Miocénico de França, Egipto, Antilhas, América e Austrália. Actualmente esta espécie vive em todos os oceanos nas latitudes intertropicais.