REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

Como eu estou desactualizado!

Um professor é como um livro de estudo. Enquanto está no activo e se for um profissional digno desse nome, o professor avança todos os dias no conhecimento, do mesmo modo que o livro, ao ser construído, progride, adicionando matérias, capítulo a capítulo.

Professor aposentado, quer fique em casa a cuidar dos netos ou vá para o jardim jogar às cartas com outros idosos, quer enverede por qualquer actividade intelectual diferente da que lecionou, fica irremediavelmente desactualizado, como acontece aos livros científicos que temos, tantas vezes esquecidos, nas estantes das bibliotecas.

Jubilei-me aos 70, em 2001, e aposentei-me três anos depois. Por opção, pus fim à investigação científica e ao ensino a nível superior. Por decisão consciente do seu interesse social, optei pelos caminhos da divulgação científica, a nível básico, numa sociedade como a nossa em que a iliteracia científica é muita e a nos domínios das ciências da Terra é imensa. É o que faço, diariamente, frente ao monitor, aqui no Facebook, nos livros que entretanto publiquei e continuo a escrever e nas muitas palestras que ainda sou convidado a proferir. Passei, assim, o facho da investigação e do ensino especializado aos “filhos”, já então a saberem mais do que o “pai”. “Filhos que geraram “netos” e “bisnetos” que já não conhecem o “avô”.

Estas considerações surgiram-me a propó-sito da obra, em dois volumes, “GEOLOGIA DE PORTUGAL”, editado por Rui Dias, Alexandre Araújo, Pedro Terrinha e José Carlos Kullberg (todos eles meus excelentes ex-alunos), da Escolar Editora. Acontece que, com frequência, dou por mim a folheá-los e não é que encontro, a cada passo, novos conceitos, novos vocábulos, novas inter-pretações?

Dezasseis anos longe dos centros onde, sem parar, o conhecimento avança, tiveram como resposta esta minha desactualização. Em contrapartida, pelos milhares de retornos que, todos os dias, me chegam, acredito que estou a cumprir uma função igualmente útil que, em minha opinião, deveria ser propósito dos que tiveram o privilégio de ascender aos níveis superiores do conhecimento.

 
 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/