REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS

Falando dos solos (4)

Como nota prévia desta 4ª conversa em torno dos solos, convém lembrar que os textos que, neste e noutros propósitos pedagógicos, de há muito venho divulgando, têm como destinatários preferenciais os professores que nas nossas escolas básicas e secundárias se debatem com falta de elementos que complementem os tradicionais livros adoptados. Visam, ainda, o cidadão comum, interessado em conhecer o chão que pisa e lhe dá o pão. Não pretendem, longe disso, ensinar algo de novo aos meus pares, alguns deles bem mais entendidos do que eu nestas matérias. A esses o que se lhes pede  é que, com o mesmo empenho e a mesma humildade com que os produzo, corrijam o que eventualmente tiver de ser corrigido, acrescentem o que deva ser acrescentado e melhorem o que precisar de ser melhorado, tudo isto no real interesse de fornecer ao leitor a melhor informação possível.

Com as variações próprias das diversas latitudes e altitudes, os solos estão presentes em grande parte (cerca de 80%)  da superfície terrestre emersa, constituindo o que foi convencionalmente considerado a pedosfera. Desertos de areia, como o Saara e muitos outros, desertos pedregosos como o Neguev, em Israel, ou as cumeadas rochosas  das altas montanhas não têm solos,  mas apenas uma camada de natureza mineral, solta, sem capacidade para suportar vida.

Evoluindo em condições grandemente determinadas pelo clima, a pedogénese, depende também, em grande parte,  do mundo biológico. É um facto sabido e aceite que todos os processos envolvidos na génese e evolução do solo são assegurados pela energia solar e pelos organismos vivos que dele fazem parte. São esses organismos que controlam a mobilidade das substâncias químicas e da energia necessária a essa mobilidade. “Na ausência de organismos, a meteorização das rochas não dá origem a qualquer solo”, afirmou, em 1949, o geoquímico russo Constantin Nikiforoff (1887-1979).

Deduz-se desta realidade que, anteriormente ao Silúrico médio (420 milhões de anos), a capa superficial resultante da alteração das rochas não continha quaisquer vestígios de matéria orgânica, dado que o essencial da vida ainda não tinha saído das águas. Foi só a partir de então que as primeiras plantas começaram a colonizar as terras emersas, em ambientes alagadiços próximos do tipo sapal, abrindo caminho à ocupação animal, com particular relevo para alguns artrópodes. Só a partir de então essa capa superficial passou a integrar uma componente orgânica e a poder ser aceite como solo.

Cooksonia, género de planta vascular surgida no Silúrico médio, estava confinada às terras baixas e húmidas.

Anteriormente a este período houve, sem dúvida, meteorização, e disso são provas os milhares de metros de espessura de sedimentos argilosos resultantes da remoção de material rochoso alterado e transportado para os oceanos  desde os mais remotos tempos do Pré-câmbrico, posteriormente transformados em xistos argilosos e seus derivados metamórficos (filádios, micaxistos, gnaisses, migmatitos e, até, granitos (1). A aparição do solo, no sentido pedológico da palavra, isto é, com uma componente orgânica activa, “constitui um marco importante na história da Terra”, escreveu, em 1980, o saudoso Prof. Bastos de Macedo, do Instituto Superior de Agronomia.

(1) A profundidades na ordem das dezenas de quilómetros, no interior das cadeias de montanhas em formação,  as rochas argilosas como os xistos e os seus derivados metamórficos ficam sujeitas a pressões e temperaturas elevadas que conduzem à sua fusão, gerando um magma que, uma vez arrefecido, gera o granito. 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/