Fados

JOAQUIM SIMÕES


Fado do Bota-abaixo (sobre o Fado Margaridas)

 

Deixei o sofrimento na soleira

Expulsei-o a ele e à saudade

Atirei o ciúme para a lareira

E pintei de palhaço a mocidade

 

Rompi deitei no lixo o cache-nez

Rasteirei o gingar dos marinheiros

Soltei os meus pecados pela Sé

Roubei o Tejo à ponte e aos cacilheiros

 

Casei o Santo António e a Mariquinhas

Depois fui-me às varinas na Ribeira

Juntei-as com as gaivotas e as sardinhas

Foi tudo p’r’ó mar alto na traineira

 

Gritei: “Livre, enfim! Silêncio! Paz!”

Mas chorou a guitarra ali ao lado

E eu… não resisti não fui capaz

Voltou tudo ao lugar, cantei ao fado.


Fado da Economia (sobre o Fado Corrido)

 

Ontem, quando ia a passar,

à noite, pela viela,

vi-te a falar com uma amiga

de mãos dadas, à janela.

 

Mandei-te um beijo de longe

e tu, fingindo apanhá-lo,

pousaste-o nos lábios dela

para melhor puderes beijá-lo.

 

Depois rindo, descarada,

mandaste-a vir ter comigo

para que ela me desse o beijo

que eu quisera ter contigo.

 

Puseste-me ante mistério

do amor, que ninguém explica:

quanto mais o dividimos,

tanto mais se multiplica.

 

Venha, portanto, a reinar

na Terra a sabedoria,

que ainda vos hei-de ver

Ministras da Economia!


ACONCHEGO

 

no aniversário de Lúcia Helena Weiss

Na luz vivem dez mil tons

No ar moram dez mil sons

Nos corpos dez mil odores

Rodam com dez mil sabores

Num torvelinho que vejo

Ouço cheiro provo desejo

Ora o verso ora o reverso

Dos prazeres e das dores

Em que ensaio os meus amores

Roda-viva Universo

Entre a fortuna e a má-sorte

Entre o nascimento e a morte

 

Onde às vezes espreita um verso

Que aconchego ao coração

P´ra que ele o faça canção

 

17-12-2019


JOAQUIM SIMÕES