MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

8.1. Os cabelos

O cabelo foi, logicamente, a base das suas representações na medida em que era o centro da sua formulação: a piedade da que lavara os pés de Cristo com as lágrimas do seu arrependimento, enxugando-os com os seus longos e fartos cabelos.

Este símbolo só é identificativo se em contexto. Várias outras personagens podiam ser representadas da mesma forma, começando por Santa Maria Egipcíaca. Mas, concorrendo para que esta se tornasse uma das marcas identificadoras, existem duas razões de peso: por um lado, a leitura do contexto nunca poderia levar a uma confusão, na medida em que apenas uma era passível de ser representada junto de Jesus, ou em meio da sua época, por outro, porque os cabelos de Madalena eram sempre belos, bem cuidados, lindos, ao passo que Egipcíaca seria sempre representada de forma quase animalesca, semi selvagem, totalmente despida e toda coberta de pilosidades. Por fim, porque os cabelos eram o centro da mensagem de piedade da santa: sem eles, sem a abundância desses cabelos, não havia pedagogia, didáctica do arrependimento e da expiação – mesmo que fosse um pouco ambíguo o símbolo, ele era inultrapassável.

De facto, qual banda desenhada numa época em que a pictografia da vida de um indivíduo se resumiria exclusivamente ao que veria figurado nas igrejas que frequentasse, a mensagem teria que ser clara no conteúdo a transmitir numa catequese informal que era o simples olhar para a s paredes dos templos. Não temos qualquer dúvida de que a santa irá servir de grande receptáculo à mensagem da expiação do pecado, exactamente na época em que nasce o purgatório e todo um grupo de mecanismos de lavagem institucional das culpas, como os jubileus, quer em Roma, quer em Santiago de Compostela. Era essa a imagem mais importante passar: a santa pecadora que, pelas suas lágrimas, recebera a salvação.

Os cabelos, marca da imaterialidade das lágrimas, fariam o lugar desse arrependimento, lembrando sempre a sua função naquela situação cantada em que a prostituta, não sabiam os crentes que estavam a dar o nome de Madalena a uma outra mulher, lavava os pés do Senhor com o seu arrependimento.