Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

1. Os cristãos têm muitas e boas razões para participar na Eucaristia dominical e na sua reconfiguração. O Advento é dedicado a sonhar e a assumir os sonhos de Jesus Cristo na transfiguração do mundo e no processo da conversão de cada participante.

O espírito da liturgia alimenta-se na verdade da linguagem sacramental, rumor de todos os símbolos “em que tudo é outra coisa” (H.Helder).

BENTO DOMINGUES, op

As linguagens da beleza na

celebração litúrgica

Bento Domimgues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

 

Público, 11 de dezembro de 2011

 

Se a poesia é a única prova concreta da existência do ser humano como humano, a música é a alma de toda a poesia, presente, aliás, no ritmo de todas as artes que verdadeiramente o sejam. Como linguagem suprema da transcendência humana, rasga o tecto do mundo, expõe-se ao sopro divino, religação do céu e da terra.

M.S. Lourenço sustenta, nos Degraus do Parnaso, que a Literatura, entendida como incluindo a poesia e a prosa, tem a tarefa de nos levar até à fronteira do inexprimível. Para ele, o problema subjacente consiste em que a linguagem, de que a Literatura é a Arte (no sentido em que a Música é a arte do som), funciona dentro de limites que não podem ser ultrapassados. Isto leva a que a linguagem não seja capaz de representar completamente todo o âmbito da experiência. Existe, assim, uma parte da experiência que não é representável linguisticamente, logo literariamente.

Este poeta chama inexprimível a este domínio da experiência linguisticamente inacessível. A grandeza relativa da arte da linguagem pode-se, justamente, medir pela sua capacidade de levar o leitor à intuição desse domínio, embora dele não possa ser feita qualquer discrição. O verdadeiro artista é aquele que encontrou a expressão simbólica da experiência transcendente.

Por este caminho, M.S. Lourenço colocou a questão das fronteiras entre a Literatura e a Religião. Tem defendido a ideia de que o culto religioso não existe incondicionalmente e que a expressão da experiência religiosa é condicionada pela formulação literária que a descreve, uma vez que esta é o veículo da asserção religiosa. Neste sentido, uma doutrina religiosa é apenas tão verdadeira quanto o for a fórmula literária que a transmite.

2. Dir-se-á que uma teoria dessas é boa para académicos discutirem, mas sem alcance prático numa celebração litúrgica, que não é nem uma tertúlia nem um concerto.

A Igreja dispõe, para as suas celebrações sacramentais, de livros litúrgicos editados pelas autoridades competentes, de princípios doutrinais, de normas e rubricas muito claras para a sua execução Além disso, há liturgistas especializados e zeladores das orientações da pastoral litúrgica. Está tudo previsto, mesmo as adaptações possíveis. Basta abrir o livro e olhar para as rubricas a observar escrupulosamente. Acontece que a celebração viva de uma comunidade não pode ser substituída por um arranjo de enlatados prontos a servir.

Existem, graças a Deus, muitas e variadas realizações que saltam para fora deste esquema, sem cair na banalidade.

3. Noto, no entanto, que os cuidados com a dignidade e criatividade litúrgicas estão centradas na construção e renovação dos espaços, as chamadas novas igrejas, empreendimentos em que se gastam milhões. Não sou contra a arquitectura religiosa de grande qualidade. Pelo contrário. Gostaria que, na linha da renovação da arte sacra, orientada pelos dominicanos A. Couturier /P. Regamey, com muitos outros, se apostasse sempre no “génio”.

O que me espanta é o pouco investimento, sobretudo o pouco cuidado, com a construção de uma comunidade e com as suas diversas expressões culturais da Fé. Valeria a pena comparar o que uma paróquia gastou e gasta com os seus espaços litúrgicos e o que gasta, por exemplo, com a atracção e formação de grupos corais, verdadeiramente criativos, que ajudem a configurar os sonhos mais profundos da comunidade, em celebrações que a exprimam e a transfigurem. Não se trata de reduzir tudo à música. Sem preparação bíblica é impossível fazer a ponte hermenêutica entre textos, rituais, acções litúrgicas e a vida concreta da semana onde a maioria das pessoas gasta a maior parte do seu tempo.  

A arte da celebração é a convergência de muitas artes. Uma celebração não é conseguida quando é um grande espectáculo, mas quando carrega e desata as energias interiores de cada um e faz sonhar com novos céus e nova terra. O Advento está carregado de textos poéticos, de histórias espantosas, de apelos a não nos deixarmos abater pelos dias sem horizonte. O cristão que vai à celebração dominical vai para refazer a alma no fundamento da esperança que não engana.

Das muitas pessoas que “vão à Missa”, a escolha depende dos motivos mais diversos: umas por causa da qualidade da homilia, outras por causa da qualidade do canto, algumas até para participar em mais um sacrifício, etc…

A presença do Amor – acolhido ou recusado – percorre o quotidiano da nossa vida. As celebrações da liturgia, nas linguagens da beleza, existem para não se perder a consciência e a memória do que, misteriosamente, sempre acontece e esquecemos, distraídos do essencial donde brotam os sonhos e a Alegria.

   
 
   
   
 

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