|
||
Jornal PÚBLICO, Lisboa, 28 de Novembro de 2010 |
||
|
||
Está consciente de que “o espaço da Arquidiocese está dotado dum conjunto de Instituições Universitárias cujo potencial pode e deve ser aproveitado para desenvolver a inteligência do pensamento, suscitar o encontro e o debate cultural entre as diversas ciências humanas. A Universidade deve estar atenta ao meio cultural que a rodeia para exercer aí a sua missão inteligente de serviço à causa pública. A Igreja, por seu lado, também tem marcado a cultura com a originalidade do seu pensamento nas mais diversificadas manifestações artísticas. Tal como a Universidade, o mundo eclesial precisa sempre de extravasar o âmbito dos espaços sagrados e entrar na vida dos homens, propondo de forma clara e inequívoca a sua concepção acerca do sentido da vida humana”. Em Braga, também haverá um “pátio dos gentios”, um espaço multidisciplinar, aberto a crentes e não crentes, com a principal preocupação de um diálogo franco e aberto sobre as várias dimensões da vida humana. Para não ficar em desejos platónicos, importa, como disse o Arcebispo, preparar conferências, tertúlias e exposições sobre as grandes questões que afectam o ser humano, a sociedade, a ciência e a economia, de modo a renovar mentalidades e dar lugar a novas relações entre fé e razão. Há muita generosidade e bons propósitos nestas declarações. Convém não esquecer, porém, que é muito difícil, à intelectualidade do mundo laico e do mundo religioso, admitir que não tem conceitos nem sabe o caminho para entender o que, realmente, nos está a acontecer. Fórmulas encantatórias ou apocalípticas não podem substituir uma religião e uma sabedoria reflexivas, atentas ao que receberam e ao que lhes falta. 2. Os meios de comunicação preferem o grande espectáculo a esses exercícios de pensamento. O que encheu jornais e telejornais foi a resposta de Bento XVI à seguinte pergunta: Quer isso dizer que, em princípio, a Igreja Católica não é contra a utilização de preservativos? “É evidente que ela não a considera uma solução verdadeira e moral. Num ou noutro caso, embora seja utilizado para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana”. Já vários Bispos e Cardeais tinham dito isso e muito mais como, por exemplo, o Cardeal Martini: “devo confessar que a encíclica Humanae Vitae engendrou, infelizmente, uma evolução negativa. Muitas pessoas afastaram-se da Igreja e a Igreja afastou-se delas. Causou muitos estragos. Um período de 40 anos, como aquele que acabamos de viver – tão longo como a travessia do deserto por Israel – poderia permitir-nos um olhar novo sobre estas questões”. Não se referia só ao preservativo. Perguntar-se-á: porquê, agora e só agora – tendo Ratzinger responsabilidades nesse deserto –, Bento XVI decidiu falar? Têm sido dadas várias explicações. A última é cronológica. A declaração sobre o preservativo, na sua viagem a África, provocou muita indignação. A pedofilia dos eclesiásticos deixou o pontificado deste Papa numa aflição martelada, durante anos, pelos grandes meios de comunicação. O Vaticano estava prisioneiro dos seus próprios erros. Esta declaração, para já, fez de Bento XVI o Papa da coragem. Seja como for, este acontecimento revelou-se uma grande operação de markting e talvez dê, por algum tempo, sossego a um homem muito cansado. Dará, também, que pensar? Como foi possível, durante tanto tempo, eclipsar a investigação teológica sobre a Humanae Vitae, de Paulo VI (1968)? Como se deixou considerar definitiva uma decisão provisória? Qual foi a liberdade de debate deste tema, nos espaços eclesiais? Deverá ser excluído da ética sexual o diálogo activo entre fé e razão? 3. Mesmo nos temas que não eram considerados dogmas de fé nem palavra infalível dos Papas – creio que desde João XXIII nunca mais se ouviu falar de nenhuma – caiu-se na armadilha de considerar muitas declarações importantes, para a orientação pastoral da Igreja, como definitivas e irreformáveis. Não se conseguiu favorecer o aprofundamento de valores permanentes, através de expressões mutáveis da sensibilidade cultural e ética de cada geração. Para não se cair no relativismo, tornou-se absoluto o provisório, uma forma degradante de idolatria. Sem o dizer, talvez nos encontremos perante o começo de uma grande mudança. A atitude do Papa deixou entender que nem tudo é definitivo. Vamos entrar na celebração do Advento, preparando a festa da encarnação de Deus na historicidade humana. Ao falar em Advento, dizemos que há muita coisa que ainda está para vir. O próprio Deus vai vindo. |
||
|
||
|