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ERNESTO DE SOUSA
33 Folhas: Granada

Ao Carlos
ao Eduardo

 


eis aqui a explosão
a viagem oriental
o verão quente

dissiparam-se as dúvidas............corres
entre baixios e algumas algas lânguidas ainda

o rochedo corta
mas não sentes assaltas e corres
para o grande som
enfim
a vida
e tudo esqueces distrais
tu sabes
a festa a dança a palavra o tempo de começar
amor amigo - tangem cordas
antigas
e violas de hoje harpas crótalos maneiras
o piano concerto
a matemática certeza

 

mas esqueces a expressão
o corpo
há só no vento a viagem vigorosa
e os passos que ainda coincidem
nos projectos as últimas pègadas
ou outro nome outro
.................um sinal
 
é tempo
agora mesmo
.................a explosão ergue-se
a granada
do teu corpo
arena redonda terra
ou outro símbolo outro nome
não importa
o teu corpo é o meu corpo

vou contigo
 

Janas, 1972

1969. Com Almada Negreiros, durante as filmagens de "Almada, um nome de guerra"
 

sob a sombra e o sobrado
a fotografia
me declaro
amor
num chão ardente
de castos
projectos vertiginosos

esquece
a velocidade
a distância percorrida
não te afastes
ouve suporta o som a voz silenciosa
e cantante
muito ao longe
..................................................é tudo para ti
invenção
latido e jeito devagar

tacto toco teu
seio
a gota cristalina e resoluta
vegetal
na prata acidulada
meu paraíso
quentura corpo
teu corpo
meu corpo 
 ........................................e no teu corpo também orgia

agora erguemo-nos saudamos é a festa
é a festa é a glória
sem tempo no espaço
ilimitado
vem
é vem neste país de bondade e de bruma
nesta rosa de espuma
na clara claridade do cristal

e aperta-me nas tuas coxas
sem piedade
estrangula-me como numa fotografia
entre duas folhas
de um livro antigo e estimado
o teu poder maternal amante
inunda os dias e sobretudo as noites
destrói esta distância que se avizinha
esta ausência
da tua presença e do teu silêncio
o trigo está maduro
..............................e quanto
o seio da adolescente
..............................aflora
a vestida forma
a flor da terra está plena
aberta
e estalando a tempo
.............................reclinada
na tua boca-água
a expectativa maresia
gota a gota
percorre a via o rio
e no meu corpo
canais e recantos
ouves o ruído lento
erguem-se comunicam
acrescentam a força dura
o sexo
 
já partiram todos nas montadas jovens
o vento corta e fala
tudo neste voo se afunda
a terra o musgo
a gruta
a guerra

 
e para além da eternidade
o horizonte
a sombra renovada
o sono
a ausência
do teu corpo reencontrado

Janas, 1969/73

Conjunto de fotocópias com textos saídos nos jornais sobre "Nós não estamos algures", 1969. Por cima, as costas de um cartão (mail-art) para Meg.