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ERNESTO DE SOUSA
33 Folhas: Índia

para a Isabel


estou só
..........é tudo simples
lavei por dentro a casa
vesti de branco por fora a casa
pus tudo nos seus lugares
fiz cálculos
............e espero-te
organizei a esperança
..........e realmente espero
o tempo não interessa
nem a morte
o meu corpo
.................é...............o teu corpo..............a casa

a casa é o teu corpo
branco
e arrumado
e a memória do teu calor

vês como se dissipam todas as dúvidas
as névoas
o escuro
na quentura diurna e solar
..............da casa
é tudo simples
..............desfiz-me dos insectos repelentes

a tua ausência está aqui mesmo
ao meu lado
ou mais perto
no meu corpo
.....................na casa

escrevi aos nossos amigos
eu lembrei-me
corpo a corpo
na presença
ou grito ou sangue como um rio
ou trabalho entretecido
ou granadas
espantos
ideias
e assim preparando o gesto para a carícia
a orgia tão desejada
o passeio
o acampamento
o lado a lado
a casa
brancas areias corpos nus mãos de espuma
a boca agarra
o leite materno outrora
e hoje esperma ou simplesmente
uma bandeira

 

"Luiz Vaz 73", Galeria de Belém, 1976; e foto da vídeo-escultura "The Promised Land . Requiem por Vilarinho das Furnas", 1979.

 

sei que estás comigo
vou lançar um papagaio de papel e caçar
a cor ou de qualquer maneira
são flores são regatos
novos seios redondos
e até algumas fadigas rumorosas
porque não
as conchas da praia os seixos
a maresia e o cheiro
a doce condimento
o plano familiar e o alimento

com esta máquina multipliquei a mão
..............a casa
as duas mãos e os pés
os olhares furtivos
e os que olham de frente
o sorriso
e às vezes choro também
 
tudo isto vai mais longe agora
o espaço e o tempo
a descoberta
e a navegação
nada perderam porém
do seu rigor e até as dúvidas as angústias
inevitáveis
 
vês esta insónia continua mas é uma dádiva
acendo a lâmpada
ilumino o teu corpo
é o meu corpo
..........é a casa
contra o morrer e o tempo faço fotografias por dentro
devagar deslizo na superfície do olhar atento
o gesto apetecido
dá-me a tua mão agora
vou para as tuas entranhas
como para uma viagem
um caminho marítimo
 
ó ondas ó sereias ó ninfas
tudo se confunde na india apetecida
ilha
............casa
infinito

Janas, 1972/73



Postal com o painel de Almada Negreiros, "Começar".

Por baixo, fotocópia-montagem alusiva ao tema da revolução (25 de Abril), aqui em versão alemã: Revolution Ich liebe Dich. Nas costas do postal de Almada ES transcreve um texto de Baudrillard sobre a sedução: "...Nous sommes une culture de l'éjaculation précoce..."