Episódio 5

JONAS PULIDO VALENTE


Jonas Pulido Valente (Portugal,  1989): Estudante de Estudos Asiáticos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 


Primeira vez em Los Angeles com um saco nas costas, vou para a baixa ver a paisagem.

Quando chego lá pedem-me ‘cartão?’, ‘não pode passar nesta rua’, às tantas um edifício explode do outro lado da rua. Uma rapariga pega-me no braço e corremos pela rua abaixo ‘Corre, até virar a esquina’, disse ela. Virámos a esquina e ouvimos ‘Corta!’, toda a porra de Los Angeles era um cenário de cinema.

‘Vão mover o Chinese Theatre para passar uma mecha-droid, desmontar o Music Center para uma invasão de vampiros, cuidado, nesta rua está a passar o High Velocity, vamos pela rua das rom-coms. Entre passar e ‘Corta!’ fomo-nos aproximando. Junto  ao mural do Jim Morrison começámos  a beber vinho e beijámos-nos. Já não tínhamos paciência para rodagens de filmes e com a progressão das coisas acabámos na Skid Row, a rua dos drogados, onde só filmam documentários.

Vivemos tempos sórdidos, até que um dia, na praia, a uma boa distância dos surfistas assalariados da Disney, que fazem tudo menos surfar teve que dizer ‘Olha miúda, quantos anos tens para orientar turistas pelas agendas de produção de Los Angeles? Vamos para a minha terra, para Portugal, vamos para um sítio no campo’, ela disse ‘Não sei, tenho toda a minha vida aqui’, ‘Lá o vinho é melhor e mais barato’, insistiu. ‘Talvez, se me conseguires uma casa no campo, eu vou’.

‘Corta!’

‘Perfeito’, disse o realizador, ‘não precisa de segundo take’,

‘Não há privacidade nesta cidade?!’ gritou, entornando vinho. ‘Apanha isso, apanha isso’, disse o realizador para o cameraman.

‘Miúda, temos mesmo que ir para Portugal, não há destas merdas lá’

Do nada, começaram a aparecer zombies pela praia, a sugar o sangue das pessoas, e a dar chutos nas bolas de praia.

‘Fizeram demasiadas spinoffs do Walking Dead e agora os extras estão por todo o lado!’ gritou alguém.

Felizmente os zombies vinham de norte para sul, fizemos um trek até à fronteira para passar para o México e demos com um muro. Ninguém do lado dos Estados Unidos podia passar para o México.

Os mexicanos riam-se do outro lado e passavam comes e bebes entre si, consegui cortar a fila com a miúda e mostrei o meu passaporte ‘Soy portugués’, vá passa lá, ‘E ela?’, ‘Gringa, pero de las buenas.’

Em Portugal a primeira semana no campo correu bem, chegada a segunda semana a rapariga de LA começa a ficar abatida.

‘Prefiro muito mais a guitarra suja do que qualquer tentativa de capturar o som e sintetizar pelo cu de um transistor’

‘Mmmmmmm’ dizia-me a moça

Noutro dia, cozinhei-lhe maranhos, recebi outro ‘Mmmmm’

Ao terceiro dia embebedo-me e fico a falar com o gado no celeiro ao lado da casa, falava com a bezerra que estava por lá.

‘Em Los Angeles tudo é falso, mas a nossa cena era genuína, aqui é ao contrário’

‘Mmmmmmm’

‘Tu percebes-me! Ainda bem que bebi vinho contigo!’

Nesse momento entra a miúda da Califórnia, irada, ‘Estás a ter ligações emocionais com uma bezerra?! Ao menos se estivesses a fodê-la, mas a falar com ela!? Mato-vos aos dois!’

‘Tem calma!’

‘Mmmmmmmmmm’ disse a bezerra

Comecei a ser violentamente atacado pela miúda californiana e nem pensei em me defender. Ela dava-me pontapés na virilha, beijinhos no nariz com biqueira de aço, um desastre.

Acabámos em frente ao juiz Neto de Moura, que disse ‘O senhor tinha mais que obrigação de manter uma relação saudável, uns sopapos de vez em quando só o fazem voltar à realidade’, ‘Uma relação com uma bezerra não é típica, fica na acta, só me lembro do caso bíblico do bezerro de oiro’

‘Pró caralho!’ gritei

‘O senhor fica com uma acusação de insultar o tribunal, também fica na acta, e quanto à senhora, obviamente que está livre e pode voltar à Califórnia’.

Apanhei o comboio do Cais do Sodré até uma das primeiras praias da linha. Sentei-me, enrolei um charro e lá para o fundo da praia, um homem fazia malabarismo com fogo, três ou quatro pessoas passeavam, nem uma câmara à vista. Cada um tem a Califórnia que pode.