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PARDAIS DOMÉSTICOS E ESPANHÓIS
Maria Estela Almeida
 

Há tempos recebi no TriploV um email de um doutorando argelino a pedir artigos sobre Passer hispaniolensis, Passer domesticus e Passer domesticus x Passer hispanolensis, isto é, os híbridos das duas espécies, isto tudo em Portugal. O Omar estava a fazer tese sobre os estragos que os híbridos de P. hispaniolensis e P. domesticus causavam nos palmares de uma localidade cujo nome não retive. Respondi-lhe, mandei-lhe os artigos de Sacarrão e Sacarrão & Soares, em nota (1; 2), convidei-o a participar com esse tema no nosso colóquio "Natural?! O que é isso?", e até agora não voltei a receber notícias nem do Omar, nem dos pardais, nem dos híbridos passeróis, começando eu a pensar que talvez a pessoa não fosse um Omar doutorável em agronomia argelina, sim alguém a querer tirar nabos da púcara a respeito do que sei sobre os ditos passeriformes.

Nada, realmente. Não sei nada, vou ler os artigos ao fundo e, se for questão disso, voltarei ao assunto. Mas lembro-me das conversas com o Prof. Sacarrão, sim. Várias vezes falou dos pardais. Que dizia ele? Por exemplo, que os observara a coabitar lado a lado: ninhos das duas espécies no letreiro luminoso de uma pensão alentejana, salvo erro, salvo erro a Pensão Portugal. E até indicava as letras em que havia os ninhos, uma delas o G. Espero não estar a divagar, garanto que corrigirei qualquer gralha involuntária que resulte de esquecimento. Das outras letras não me lembro, porém o G de GOD, GRAAL ou GADU, não desaparece da memória. Não, na altura não relacionei o G com Gralhas, ainda não era o tempo delas. E nunca me falou em híbridos, aliás aprendi muito do que sei com o Prof. Sacarrão, mas nada que se relacionasse com tão picante matéria. Pelo contrário, vejo agora: se os pardais domésticos e espanhóis faziam ninho na mesma letra do anúncio luminoso da Pensão Portugal, estava dentro das expectativas algum pequeno lapso, um enganozito, esses acidentes que acontecem na vida. E então os autores falariam de híbridos, mas eu nunca ouvi falar de híbridos de P. domesticus e P. hispaniolensis em Portugal. Na Argélia, está bem, isto é, está péssimo, pois comem as tâmaras todas. Em Cabo Verde, acredito piamente que sim, que o Passer jagoensis (iagoensis noutras versões) seja mais um Passer tiaguensis, bem mulato, da ilha de Santiago. Agora em Portugal?!

E recordo-me tão bem de o Prof. Sacarrão comentar que era extraordinário o facto de lá pelo Alentejo haver comunidades das duas espécies a viver cada uma de seu lado da estrada, como se uma barreira invisível impedisse os animais de a atravessar. Ora uma tal barreira não favorece a hibridação natural. Quer os pardais das duas espécies façam ninho na mesma letra G da palavra Portugal no anúncio luminoso da pensão alentejana, quer estejam separados por uma estrada, acasalar é que não acasalam. Por sua livre vontade, claro.

O terceiro artigo que tenho para ler fala do isolamento reprodutor de Passer hispaniolensis em Portugal. Parece bem claro o título: Sacarrão não tinha conhecimento da existência de híbridos - Passer hispaniolensis x Passer domesticus - por cá. Se os primeiros estão em isolamento reprodutor, quer dizer que os únicos parceiros com que acasalam são os da sua espécie, P. hispaniolensis.

Porém noutras partes do mundo, como na Argélia, há híbridos das duas espécies, ignorando eu se lá existem também as espécies ou só os híbridos. Ora se os animais sabem muito bem quem são os seus parceiros sexuais, e se por livre vontade só acasalam com os da sua espécie, parece fácil concluir que na Argélia, noutras partes do mundo, e até em Cabo Verde, as espécies foram casadas pelo homem contra a sua vontade. E então os híbridos não são naturais.

Gostava de dizer ao falso Omar, se algum falso Omar existe, que há realmente um enigma no Prof. Sacarrão, do qual só me apercebi há pouco tempo. Mas não tem nada a ver (directamente) com pardais, nem com Elanus caeruleus, nem sequer com a pêga azul, Cyanopica cyanus cooki, que é estranhíssima - tirando a Mongólia ou algo assim, só existe em Portugal... Não, o enigma não diz respeito ao polvo Octopus nem à Sepia officinalis... É um enigma que aliás abrange outros autores: em determinada altura, anos 60 talvez, é questão de confirmar na bibliografia (4), vários cientistas publicam os mesmos artigos, com ligeiras alterações, em duas revistas da mesma casa: nos Arquivos do Museu Bocage e na Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa. Dirão que era para fazer currículo à força, mas estamos a lidar com pessoas que não precisam desses truques para seguir carreira, e ainda por cima os duplos são tão evidentes... Imaginem que apareciam na fachada do TriploV dois editoriais meus, e para disfarçar estivessem assinados com nomes ligeiramente diferentes...

Uma dupla de revistas publica aí uma década de duplos textos, esses, sim, muito mais híbridos e secretos do que os Passer hispaniolensis x Passer domesticus.


SEM ERRATA

Não tenho nada de grave a corrigir ao que escrevi, mas li o artigo de 1986 de G. F. Sacarrão, e verifiquei que há híbridos em Portugal. Em baixo tem um link para uma página no directório do autor, com um extracto e dois sumários do artigo em que ele fala de Passer domesticus x Passer hispaniolensis. Não é simples o assunto, G.F. Sacarrão nem por um momento admite a hipótese de ter havido intervenção humana na mistura, apesar de a complexidade do problema o levar a dizer que a hibridação não é livre. O texto está limpo, não há gralhas na nomenclatura.


G.F. Sacarrão - O problema do isolamento reprodutor de Passer hispaniolensis (Temminck) em Portugal (sumários e um extracto).

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(1) SACARRÃO, G.F. (1973) - Passer hispaniolensis (T.) em Portugal, com breve introdução ao estudo das relações ecológicas com Passer domesticus (L.). Arquivos do Museu Bocage, IV :1.

(2) SACARRÃO, G. F. & A.A. SOARES (1975) - Algumas observações sobre a biologia de Passer hispaniolensis (Temm.) em Portugal. Estudos sobre a Fauna Portuguesa, 8. Museu e Laboratório Zoológico e Antropológico (Museu Bocage).

(3) SACARRÃO, G.F. (1986) - O problema do isolamento reprodutor de Passer hispaniolensis (Temminck) em Portugal. Cyanopica, III: 4. (extractos no TriploV)

(4) SACARRÃO, G.F. - Bibliografia em "Biblos-Alexandria": http://triplov.com/biblos/