MODELOS CRIMINAIS / O diabo da escrita
Hélio Rôla (pintura) & Floriano Martins (textos)
19-01-2005
www.triplov.org  

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2 O DIABO DA ESCRITA

A luxúria da escrita reside em sua falsificação? Quais as implicações do corpo que busca individualizar-se? A memória é uma notável instrutora de falsários. Quantos sinais trago em meu rosto daquele que realmente sou? Todos nos vemos no espelho como um oponente. A idéia do outro está ligada à adversidade. Quem trataria de imitar a si mesmo? Então não passo de uma falsa interpretação de tudo quanto desejo? As emoções apontam o lápis e se deixam escrever. Ou será a razão quem afasta de si seu verdadeiro sentido? Nem sempre é fácil saber o que é desamparo. A escrita se debate entre o que sofre em si e o que sofre de si. Olhando bem, espelhos não passam de afrescos. Em muitos casos não designam senão dilemas impróprios. Que espécie de rosto alguém imagina ter antes de olhar-se em um? Vidência ou evidência? Um ou outro? Qual dúvida dar por certa? Fazer análise, amar o próximo, tratar a vida como um epílogo sem fim, são truques influentes, cujo enredo alimenta a pouca distinção que fazemos de nós. Quantos auto-retratos não passam de um espelho embaçado? Quem entalha tão bem a si mesmo a ponto de permanecer o que é? Talvez um serial killer de toda a sua ilusão de ser. A vida nunca foi mesmo um lugar indicado para homens comuns. A escrita sufoca, perverte, molesta, seu resultado é pavoroso e inconcluso. Porém sem sua lascívia o homem jamais consegue compreender as camadas de maquiagem que tornam seu rosto mais compacto. Um fantasma que dança e se pune por amálgamas não reparados. Ninguém sabe onde está. Os espelhos olham sempre em direção contrária. A escrita é apenas um costume.