http://triplov.org

 

Pintei um jardim, escondi-me lá dentro

 

JORGE GUIMARÃES

 

 

 

"Pintei um jardim, escondi-me lá dentro" - eis o título de uma exposição de pintura inaugurada a 14 de Abril no Museu Joaquim Vermelho, em Estremoz. Uma dezena de quadros de tom impressionista e pontilhista,
feitos para desagravar Monet, a quem feriram quadros em acto de limpeza - confessou o pintor. Todos os quadros se referem a Giverny, aldeia nos arredores de Paris, onde Monet construiu um jardim para o pintar

Pintei um jardim, escondi-me lá dentro,
pintei uma casa, tapei-a com hera,
o fumo pintei sumido no vento,
pintei-me a mim mesmo a dormir sobre a erva.
Pintei as flores da cor do solfejo,
da cor do desejo pintei a mulher,
da cor da mulher pintei o que vejo,
a mim mesmo pintei-me da cor do meu ser.
Pintei o azul da cor dos meus olhos,
Pintei os meus olhos cobertos de névoa,
A névoa pintei da cor dos meus sonhos,
Pintei-me a mim mesmo deitado na terra.
O frio pintei da cor dum menino,
a chuva a cair com um som de piano,
pintei um sorriso de branco de lírio
a mim próprio pintei-me de costas na cama.
Pintei minha mãe da cor da alvorada,
minha terra pintei com as cores do que digo,
ao silêncio pintei-o com o gosto da água,
a mim mesmo pintei-me a sonhar de castigo.
Pintei os meus dedos de cor borboleta,
pintei os meus passos de cor solidão,
minha vida pintei com as cores da paleta,
a mim própria pintei-me estendido no chão.

Jorge Guimarães

Jorge Guimarães entre amigos, o vereador do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Estremoz e o director do Museu Joaquim Vermelho, Hugo Guerreiro,
à esquerda.
Maria Estela Guedes; Nicolau Saião e a neta, Mariana
Noémia Cruz, directora artística do Museu Jorge Vieira, apresenta a exposição

"A arte é o sonho acordado do homem. Dá-Ihe a beleza que lhe mingua, representa-Ihe a vida que ele não tem, testemunha-Ihe um tempo que não lhe pertence, e promete-lhe o consolo de não se sentir só, perdido na sua época, entre um passado que sem ela não teria rosto e um futuro que ninguém conhece"
Jorge Guimarães
In Monumento ao Prisioneiro Político
Catálogo 25 de Abril de 1994

"Pintei um jardim, escondi-me lá dentro." Quem se esconde? O pintor ou o poeta? Os dois, num só. Uma simbiose perfeita. Jorge Guimarães, o poeta da cor, apresenta-nos aqui um conjunto de pinturas que são elas mesmas belos poemas cromáticos. No primeiro contacto com estas pinturas, disse-Ihe, a medo, que sentia nelas uma atmosfera impressionista. A medo, porque Jorge Guimarães é um Homem Grande, e eu sentia-me ofuscada e com todos os meus sentidos tentava apreender o seu saber, a sua imensa sensibilidade. Recordo um fragmento dum texto seu, dos mais belos que se escreveram sobre o Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido, de Jorge Vieira: "... uma figura volátil, quase suspensa, a tentar libertar-se da sua condição newtoniana, quase também como uma imensa fiâmula, ou chama, de ascendência vertical."

No seu largo currículo temo-lo poeta, dramaturgo, romancista, ensaísta, crítico, pintor, mas sempre poeta.

Estas suas pinturas são poemas de cor e formas. É outro modo de dizer a natureza, apesar de, aparentemente, abstracta. Num primeiro olhar vemos pontos coloridos, cheios de luz. Um olhar mais atento leva-nos à forma: a "floresta", o "mar", a "montanha de cristal"... aparecem, como por magia. Percorrer com o olhar estas pinturas e procurar sair do abstracto, para uma qualquer realidade, torna-se um jogo aliciante, que nos pode fazer entrar dentro dessa realidade, povoando essas representações da natureza, dando saltos no tempo e no espaço. A série Giverny convida-nos a fazer essa viagem sensorial pelo mundo dos pincéis de Claude Monet, e mergulhar, inebriados, num mundo de cor, luz, e formas, para voltarmos de novo ao tempo/espaço de Jorge Guimarães, à sua pintura que nos incita a desfrutar a vida em liberdade.

Noémia Cruz I Direcção Artística do Museu Jorge Vieira

 
Página principal - Mapa - Cibercultura - Jardins - Teatro - Zoo - Poesia - Jorge Guimarães
.