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Natércia Freire

Liberta em pedra

 

Livre, liberta em pedra.

Até onde couber

tudo o que é dor maior,

por dentro da harmonia jancente,

aguda, fria, atroz,

de cada dia.

 

Não importam feições,

curvas de seio e ancas,

pés erectos à luz

e brancas, brancas, brancas,

as mãos.

 

Importa a liberdade

de não ceder à vida

um segundo sequer.

 

Ser de pedra por fora

e só por dentro ser.

    - Falavas? Não ouvi.

    - Beijavas? Não senti.

Morreram? Ah, Morri, morri, morri!

Livre, liberta em pedra,

voltada para a luz

e para o mar azul

e para o mar revolto…

E fugir pela noite,

sem corpo, sem dinheiro,

para ler os meus santos,

e os meus aventureiros,

(para ser dos meus santos,

dos meus aventureiros),

filósofos e nautas,

de tantos nevoeiros.

 

Entre o peso das salas,

da música concreta,

de espantalhos de deuses,

que fará o Poeta?

De: "Liberta em Pedra" (1964)