MAGIA AUREA:
A QUESTA DO ENEAGRAMA SAGRADO
António de Macedo



Summary

The enneagram is a nine pointed star which was drawn for the first time by Pythagoras, who about 525 B.C. founded a mysterious Brotherhood, holding that the deepest reality is mathematical in nature, that certain symbols have a mystical significance and that all Brothers of the Order should observe strict secrecy.

The enneagram is a sort of Hermetic compound summing up the virtues of the triple triangle: the Occult triangle of Fire (Sulphur), the Occult triangle of Water (Salt), and the Mystic triangle of Trinity (Quicksilver, or Mercury).

It is also the "square of Adam": 3 x 3 = 9 (the Nine Lesser Mysteries).

The Quest of the Holy Enneagram has always been the Everlasting Crusade of Portugal: the Water-Ocean as Destiny (5th Empire), the Fire-Paraclete as Inspiration (Holy Spirit), and the Sebastianist Fortunate Island as Aspiration (Mercury) - the Gold of the whole being the result of a global Hermetic operation: Magia Aurea.


...Tendo observado todas estas coisas, conheceremos o superior e o inferior de Hermes, a cadeia de ouro de Homero, o anel de Platão, e convencer-nos-emos que uma coisa se transmuta noutra e, pela vicissitude das coisas, se torna na mesma, ou muito semelhante à que tinha sido anteriormente. Não é difícil de concluir — pois tudo foi uma só e única matéria da qual tudo se originou — que é absolutamente imprescindível que uma coisa se mude por retrogradação na mesma, uma vez que a água é o seu primeiro princípio. Aplicai agora esta regra a tudo quanto vai seguir-se neste tratado; será um avanço não pequeno, para a nossa Arte.

Aurea Catena Homeri (1723), I, 5.


Comecemos por anotar que a água é o elemento director de Portugal: a fazer fé num dos mais conhecidos horóscopos que Fernando Pessoa erigiu sobre a fundação da nacionalidade portuguesa, o signo Solar do nosso país é o signo aquóreo Peixes, regido por Neptuno. (Acresce que o respectivo signo Ascendente é Caranguejo, também ele signo de água).

Neptuno, divindade oceânica, tutelou, por sua voz grega (Poseidon), a capital da antiga Atlântida, segundo se diz: Poseidonis, que ocupava o círculo interior desse continente perdido. Aí, o deus padroeiro fez jorrar de sob o solo duas fontes de água: uma quente e outra fria, enriqueceu a terra com abundância de vegetação e plantas nutritivas, e engendrou e criou cinco gerações de filhos homens, e gémeos — os primeiros clones! —, e estes príncipes e seus descendentes habitaram a Atlântida durante tempos imemoriais, viajando para outras ilhas e terras que povoaram, até às colunas de Hércules (Hespéria), até ao Egipto e até à Tirrénia (Platão, Crítias, 113-114). Sendo a Hespéria, ou Hispânia, a terra onde floresceram os Lusitanos (entre outros), teremos de concluir que ainda pertencemos à estirpe dos Atlantes ou — horribile dictu! — descendemos dos clones de Poseidon…

Na celebrada tragédia Frei Luís de Sousa (1844) de Almeida Garrett, D. João de Portugal simboliza o país que lhe compõe o nome, e tem como signo Ascendente o mesmo signo do Sol de Portugal, podendo apropriadamente dizer-se, na esteira dum conhecido poeta, pintor e astrólogo contemporâneo: «A água tem origem celeste e destino terrestre, por oposição ao fogo, que tem origem terrestre e destino celeste. […] Peixes designa o oceano e analogicamente o infinito, o êxtase místico, o inconsciente colectivo. É o signo Ascendente de D. João de Portugal, a água benta que ilumina a epopeia lusa, a hipnose visionária do cruzado. É também a premonição da catástrofe diluviana, o refluxo sebástico da ilusão ultramarina» (Cardoso 1978, 13-14).

Parece pois indiscutível que a água é um dos elementos ? e dos mais significativos ? que entram na composição do Mistério de Portugal. O seu triângulo alquímico V será por conseguinte o primeiro que iremos guardar, pondo-o de reserva até nos fazer falta, daqui a pouco. Entretanto, e para melhor arrecadação do que vai seguir-se, ousemos levantar desde já uma pontinha do véu, e decifremos que o V Império se encontra associado alquimicamente à oceânica água: a decifração de tal enigma torna-se visível e palpável não só pela análise histórica mas também pela maneira como tradicionalmente se grafa esse sintagma, quando referido ao Mistério de Portugal. Reparai que quase nunca se escreve «5.º Império» e nem sempre «Quinto Império» ? mas de preferência «V Império». Porquê o V? Porque, naturalmente, basta completá-lo com a coberta, ou com a superna planura do Paraíso Celeste, para obtermos o símbolo alquímico da água : V (*).

Por sua vez o fogo tão-pouco está ausente desse Mistério: fogo é Espírito, e o sopro do Espírito Santo, ou Paracleto, bafejando a iluminação dos nossos monarcas Dinis e Isabel, Fiéis-do-Amor — ou Infiéis-de-Roma, se aderirmos ao argumento de Sampaio Bruno (Bruno 1960, 142-143) —, fê-los concretizar o triângulo do fogo ∆ associado às heterodoxas Festas do Império e do Espírito Santo (Culto Paraclético). Eis um segundo triângulo que nos importa guardar, também: ∆, pondo-o ao lado do anterior, até descobrirmos o que fazer com ambos.

A Água e o Fogo entrelaçam-se, portanto, na vocação do Portugal Des-Encoberto: de acordo com a perennis Tradição Mistérica, o Livro de Daniel, do Antigo Testamento, onde o P. António Vieira bebeu a inspiração do V Império, é um Manual da Iniciação do Fogo, iniciação que se relaciona alquimicamente com a Calcinação, a Transmutação e a Sublimação — os Quatro Impérios (Assíria, Babilónia, Pérsia e Roma, ou Assíria, Pérsia, Grécia e Roma: Daniel 2, 27-45 e 7, 1-27). Logo, o Quinto será o da Nova Ordem Crística, cujo Umbral, iniciaticamente de Água V, é guardado pelo Leão, da Hierarquia do signo do mesmo nome (Leão : Fogo ∆), tal como Cristo enunciou: «Quem não nascer da Água e do Espírito [Fogo] não pode entrar no Reino de Deus» (João 3, 5), ou seja, no Reino da Nova Ordem de Cristo.

Finalmente passemos ao terceiro e último triângulo, a que eu chamaria o triângulo mercurial do Sebastianismo.

«O Sebastianismo é sempre inseparável dos Descobrimentos: como segundo acto dum drama ou ritual nacional.

«Porque, após o descobrimento do caminho para as Índias, como aquelas que em si detinham o prestígio do centro, este posteriormente ter-se-ia deslocado e encarnado na Ilha do Encoberto. Ela será desde então, miticamente, como o umbigo do mundo, a realidade suprema e supremamente desejada. A que flutua nas águas primordiais — tal outro lótus sagrado de onde nasce Brama. Receptáculo de vida.

«Porque aqui, para a alma portuguesa, será acaso a realidade da ilha, a que em si detém todo o valor e função e prestígio do centro, tal como foi a rosa para o Ocidente e o lótus para o Oriente: será ela a flor secreta. A que no seu interior, no mais profundo das suas pétalas, concebe, encobre e protege o Salvador do mundo. Ela, a Rosa Mística» (Costa 1978, 140-141).

Três triângulos — e uma Ilha Encoberta como centro!

Ora bem, já temos pois os três triângulos da Tradição Hermesista de Portugal, que fomos guardando à medida que os alinhávamos — e só nos resta agora descobrir o que fazer com eles.

Se traçarmos um círculo com três triângulos equiláteros inscritos, e equidistantes angularmente entre si, obteremos o eneagrama, estrela de nove pontas cujo ângulo ao centro é de 40 graus. Já vimos como podemos associar o V do V Império a um triângulo, o da água, ou do oceano vocação de Portugal… Levando mais longe a similitude do simbolismo geométrico, constatamos que os três triângulos eneagramáticos do Portugal Des-Encoberto — do V Império, do Culto Paraclético e do Sebastianismo — são equipolentes aos três V’s da frase secreta com que Cristo Jesus inaugurou os Mistérios Cristãos: «Ego sum Via, et Veritas, et Vita» (João 14, 6). Eis o segredo do «Triplo V»!

Uma antiga lenda informa-nos que a construção geométrica da estrela de nove pontas, ou eneagrama, utilizando apenas o compasso e a régua, foi conseguida pela primeira vez por Pitágoras, que, segundo reza a tradição, fundou por volta do ano 525 a. C. uma misteriosa Irmandade fundamentada em uns quantos princípios cardeais, de que destacamos: 1. A realidade última do universo é de natureza matemática; 2. Certos símbolos detêm um poder arcano que lhes advém do seu significado místico; 3. Todos os Irmãos da Ordem estão obrigados a observar o mais rigoroso segredo.

No eneagrama deparamos com o 9 (número de vértices estelares) associado ao 40 (número de graus do ângulo ao centro). Carlos Calvet descobriu o traçado geométrico que, a partir das medidas da Grande Pirâmide de Khéops, permite obter a trissecção do ângulo de 120 graus (120 : 3 = 40) que por sua vez dá o lado do eneágono (Calvet 2001, 139-143).

São aqueles, igualmente, números simbólicos da Nau Graálica de Portugal — ou do Porto do Graal. Mas antes que por aí avancemos, recuemos um pouco:

Uma vetusta memória Rosacruciana exumada e revelada por Rudolf Steiner (1861-1925) e por Max Heindel (1865-1919) ensina-nos que os quatro Evangelhos, mais do que quatro «biografias» históricas de Jesus, são sobretudo Rituais de Iniciação de quatro diferentes Escolas de Mistérios. Os três sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) são rituais de Mistérios Menores; o Evangelho do Amor (João) é um ritual dos Mistérios Maiores. Os primeiros compõem-se de nove graus correspondentes às nove Iniciações Menores, equipolentes aos nove passos capitulares do ministério de três anos de Cristo Jesus na Terra:

1. Baptismo; 2. Tentação; 3. Transfiguração; 4. Última Ceia e Lavapés; 5. Agonia no Horto; 6. Flagelação e Coroa de Espinhos; 7. Crucificação e Estigmas; 8. Morte e Ressurreição; 9. Ascensão.

O 9.º grau da Iniciação Crística, Ascensão, ocorreu 40 dias depois do 8.º, segundo lemos nos Actos dos Apóstolos (1, 3). O 8 (octógono) e o 9 (eneágono) são números vinculados ao Mistério Templário, que por sua vez se associa ao 40 no Mistério da Fundação de Portugal, 1140, e da sua Restauração, 1640. O «Auto» do Templarismo fundador é bem conhecido:

O Rosacrucianismo Templário do Conde D. Henrique, de D. Teresa e do filho de ambos, D. Afonso Henriques (c. 1109-1185) é inquestionavelmente atestado pelas assinaturas destes últimos onde se evidencia a Cruz sobreposta à Rosa Mística (assinaturas reproduzidas em Daehnhardt 2000, extratexto entre 96-97). Também é inequívoca a declaração do primeiro rei português, dirigida aos «Soldados do Templo de Salomão», em documento autógrafo datado de 1129, no qual confirma a doação do Castelo de Soure aos Templários por sua mãe, rainha D. Teresa: «… e pelo cordial amor que vos tenho, em vossa irmandade e em todas vossas boas obras sou irmão» — atribuindo-se, portanto, a Irmandade Templária na dupla vertente iniciática e temporal (Alves 2001, 56).

Ressalvemos entretanto uma dúvida que pode surgir nos espíritos mais atentos e esquadrinhadores: o Conde D. Henrique morreu em 1112, e a história oficial consagra a data de 1118 para a fundação da Ordem do Templo; logo, como me atrevi a incorrer na anacronia de incluir o pai de Afonso Henriques no Templarismo referido acima? O frade franciscano capucho Joaquim de Santa Rosa Viterbo (1744-1822) ajuda-nos a vislumbrar a resposta: investigando antigos documentos na Torre do Tombo, encontrou uma inquirição sobre os Usos, Costumes e Jurisdições dos Templários mandada levantar por D. Dinis com grande exigência de rigor, e onde se lê: «… tendo o Conde D. Henrique guerra com os Mouros, os freires tempreiros vieram a ele, e pediram-lhe por Mercê, que os admitisse no seu serviço, e que lhes desse com que se pudessem sustentar, e fazer guerra aos inimigos do nome Cristão» (Viterbo 2000, 19).

Parece, pois, que já havia Templários antes da data consagrada para a sua oficial fundação…

«A Ordem nasce, ao que parece, em 1118, mas este nascimento permanece envolto nas brumas da obscuridade e do mistério […] Somente dez anos mais tarde a História nos deixa traços documentais marcantes: o texto da Regra Latina anexo ao processo-verbal do concílio de Troyes (1128) e o texto De laude novae militiae» (Hapel 1991, 9). No entanto, a ideia já vinha de trás: segundo Jacques de Vitry, cronista do século XIII, quando os iniciadores da futura Ordem do Templo, Hugues de Payens e Geoffroy de Saint-Omer, chegaram a Constantinopla por volta do ano 1100, receberam do Patriarca Teocletes, 67.º sucessor do Apóstolo João, a «missão de fundar um instituto militar religioso» em sintonia com «os cónegos do Santo Sepulcro, depositários dos conhecimentos secretos dos essénios, de quem eram descendentes directos…» (Loução 1999, 105-108).

Hugues e Geoffroy agregaram a si mais sete, e os cavaleiros fundadores foram portanto nove, como é sabido e como devia ser — neles se integrando, ao que parece, um portugalense —, e, antes de iniciarem o seu ministério, os nove permaneceram em Jerusalém, em voto iniciático, durante nove anos. Fazendo as contas, não é descabido presumir que a fundação secreta da Ordem do Templo possa ter ocorrido, eventualmente, em 1109 ou 1110…

Afonso Henriques, ao estabelecer o design rectangular do novo país, estava já a preparar a semente de uma futura «Unidade de Poder», um dos princípios Templários, aliada à «Unidade do Amor», ou da fraternidade universal, expressa veladamente pelos ritos poéticos da Ordem dos Trovadores: «O seu fito era a criação de uma confederação de estados, de povos livres organizados em nobreza popular, com base num IDEAL comum. É a ideia do V IMPÉRIO» (Loução 1999, 128). Essa ideia foi prosseguida pela Ordem de Cristo, continuadora da Ordem do Templo, por isso se diz que Portugal deu novos mundos ao mundo: os Cavaleiros do Amor (Cabaleiros, de Cabala), ou Cavaleiros de Amar, transmutados em Cavaleiros do Mar (signo Solar Peixes, regente Neptuno), são, nem mais nem menos, os mesmos Cavaleiros do Espírito (Culto Paraclético — signo iniciático Sagitário, do Fogo) que vão construir o V Império da História do Futuro.

Desenhando um rectângulo em que Portugal caiba por inteiro, e tomando como unidade a distância que vai de Tomar (zona mágica desde recuados tempos) até ao lado Oeste do rectângulo, verificamos que o «rectângulo de Portugal» mede exactamente três unidades por seis. A sua superfície iguala 18 unidades (3 x 6), o mesmo número de unidades do seu perímetro: 3+6+3+6 = 18. Este número, 18, resolve-se em 9 (1+8), o que mais uma vez associa indissoluvelmente a sacralidade do eneagrama à sacralidade do design de Portugal (Calvet 2001, 25 segs., et passim).

O «Projecto Áureo Português» é uma alquimia que religa o Culto do Espírito Santo (Culto Paraclético), o V Império e o Sebastianismo; na verdade é mais do que uma alquimia, é uma QUÍMICA POÉTICA, uma autêntica operação de Magia Aurea (Anes 1996, 153 segs.).

O eneagrama é pois o símbolo apropriado para sumarizar as virtudes do triplo triângulo: o triângulo oculto do Enxofre — o Fogo Paraclético da Inspiração —; o triângulo oculto do Azougue — o Mercúrio sebástico da Aspiração —; e o triângulo oculto do Sal — a água oceânica coligadora do V Império, ou do Destino: «Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!» (Pessoa 1986, 1159). Tanto vale dizer que a gesta da portugalidade esculpe no mundo uma estrutura histórica, espácio-temporal, que substancia as Leis Herméticas:

• A Purificação da Alma [Sal — cristalização — cobre], com a amorosa ajuda da Piedade e do Amor divinos [Mercúrio — dissolução — prata], cumpre-se pelo Sacrifício no Altar do Mundo [Enxofre — combustão — ouro].

A Obra Magna que irrompe do nevoeiro, ou a luz que sai de dentro das trevas, não é apenas uma operação hermética de transmutação: nesta simbologia e nesta práxis desvendamos uma arcana ars de real TRANSUBSTANCIAÇÃO, como auge dos quatro grande grupos míticos de Portugal — ou luso-mitologemas — pesquisados e classificados por Gilbert Durand: o «Fundador vindo de fora», a «Nostalgia do impossível», o «Salvador oculto» e a «Transmutação dos actos», sendo este último, precisamente, em quanto remate e síntese, exemplificado pela transubstanciação de rosas em ouro, e de ouro em rosas (ou de pão em rosas), pela discípula do alquimista Arnaldo de Vilanova, rainha Santa Isabel, iniciadora do Culto Paraclético (Durand 1986, 11 segs.), com o incentivo e a dynamis dos Spirituali e dos Fiéis-do-Amor.

Depois disto — que nos reservam a História do Futuro e a Chave dos Profetas, para além do que delas já decifrou (mas logo voltou a velar e a selar) o P. António Vieira?

Que Ilha Afortunada, do «morto que hoje é vivo», testemunhará a transfiguração do país Desejado em país, enfim, Des-Encoberto?

Portugal é — e tem sido — um país por enquanto oculto…

Poquê o estranho e esfíngico silêncio que pesa sobre os mais significativos e fecundos factos mistéricos da portugalidade? Lima de Freitas alinha alguns exemplos (quase se diriam escandalosos): René Guénon, que tanto escreveu sobre as correntes esotéricas, dedicou um livro inteiro ao Rei do Mundo sem nunca mencionar os cavaleiros de Cristo e a demanda do Preste João; Julius Evola consagrou várias páginas ao Preste João na sua obra O Mistério do Graal e não profere uma única palavra sobre a demanda da cavalaria portuguesa; Mircea Eliade (que inclusivamente viveu em Lisboa durante algum tempo), ao escrever sobre os mitos principais aborda o tema da demanda do Graal e esquece por completo a demanda do Preste João; desenvolve o mito do Imperador desaparecido que voltará um dia e nem toca em D. Sebastião; aborda os movimentos milenaristas da Idade Média e nem sequer cita o mitologema do V Império… (Freitas 1986, 119-123).

Que intencionalidade se esconde por trás deste silêncio ? «Tudo se passa como se Portugal fosse invisível, escapando permanentemente à atenção dos pensadores e pesquisadores europeus. Mais do que o fruto de um acaso ou a consequência de circunstâncias políticas recentes, queremos ver em tudo isso um sinal» (Freitas 1986, 123). Todavia, pior que o silêncio que paira sobre os mistérios da portugalidade é o corrosivo expediente do sarcasmo, a que recorre um Umberto Eco quando se refere, por exemplo, a «um texto curioso sobre Cristóvão Colombo [que] analisa a sua assinatura e descobre nela inclusivamente uma referência às pirâmides». Prossegue, jocoso, afirmando que a intenção de Colombo «era reconstruir o Templo de Jerusalém, dado que era grão-mestre dos Templários no exílio. Como era notoriamente um judeu português e portanto especialista de Cabala, é com evocações talismânicas que acalmou as tempestades e dominou o escorbuto» (Eco 1990, 238)(1) .

Mergulhado Portugal neste Caos Adverso, que pergunta espera o Ser da gesta portuguesa perante a acumulação de respostas que nos inundam e não sabemos interpretar — ou nem sequer, tantas vezes, reconhecer? Entre as chrysopeias do nosso rei D. Afonso V e a passarola voadora do P. Bartolomeu de Gusmão, o misterioso engenho mito-luso conduz-nos, não raro, às mais irritantes perguntas sem resposta — ou respostas sem pergunta…

Finalizemos com a referência a um facto desconcertante: teremos sido pioneiros no fabrico de robôs animatronics ? A Gazeta em Que Se Relatam as Novas Todas Que Houve nesta Corte, mensário que iniciou o jornalismo regular português e cujo primeiro número saiu em Novembro de 1641, dá conta da seguinte notícia no seu número de Janeiro de 1642 (pode ser consultado na secção de «Reservados» da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa):

«Véspera de Reis presentou António Pessoa Campo ao príncipe, que Deus guarde, um cavalo feito por ele, com tal artifício que não somente no aspecto engana a quem o vê, mas também nas acções: relincha, endireita as orelhas, obedece ao freio, escarva, bate, dá com as mãos nas silhas, põe a anca no chão, atira coices, dá corcovos, faz chaças e curvetas; salta, galopa, toma a andadura, trota, corre, passeia, volta a uma e outra mão, e faz tudo quanto a natureza ensinou a um ginete. A cor é endrina, a sela estardiota de veludo verde bordada de oiro com pedras preciosas». [O texto é tal e qual, só actualizei a ortografia].

Pena que o noticiante não tenha acrescentado mais pormenores. Onde é que o príncipe D. Teodósio o terá guardado, a tão extraordinário artefacto? Quem se terá apropriado dele, quando o príncipe morreu prematuramente aos 19 anos?

Que outros mistérios nos reservará o Mistério de Portugal?


(1) É muito possível que Umberto Eco tenha tido conhecimento do livro de Mascarenhas Barreto O Português Cristóvão Colombo Agente Secreto do Rei Dom João II, publicado em 1988 mas cujo original ficou concluído em Abril de 1987. A tradução inglesa do livro, com o título The Portuguese Columbus: Secret Agent of King John II, editada pela Macmillan, saiu a lume em 1992, em pleno ano das comemorações sevilhanas da chegada de Colombo às Américas. Nessas comemorações, sobremaneira instrumentalizadas, a Espanha e a Itália conluiaram-se oficialmente na mentira do Colombo genovês ao serviço devotado de Espanha. O Primeiro-Ministro Cavaco Silva e o Presidente da República Mário Soares alinharam impatriótica e despudoradamente nos festejos internacionais dessa fraude histórica. A edição inglesa esgotou-se rapidamente e algo impediu, até hoje, que fosse reeditada. Um crítico norte-americano de Brooklin explica porquê: «It is obvious that the so-called professional historian community is not going to like what Barreto explains with extraordinary detail because they would only be acknowledging their own ignorance. There is a multibillion dollar industry living under the myth of a Genoese Columbus and offering false documents to prove it. There are books based on those false documents written by people with “a name” in the historian community begging the public to perpetuate the lie because in all honesty, they can’t sleep at night with their hard pillow filled with corrupted cash. To date no historian has successfully challenged Mr. Barreto’s arguments. Why? I tell you why. Because Mr. Barreto is most probably right and all those Samuel Morisons out there will die first before they admit to it!» (Book News, June 2000) — Na sequência das suas investigações, Mascarenhas Barreto publicou um denso complemento em 2 volumes intitulado «Colombo» Português: Provas Documentais (1997), com uma esmagadora quantidade de documentação histórica, irrefutável, em abono da sua tese.


OBRAS CITADAS:

ALVES, Adalberto, As Sandálias do Mestre: Em Torno do Sufismo de Ibn Qasî nos Começos de Portugal, Hugin Editores, Lisboa 2001.

ANES, José Manuel, Re-Criações Herméticas, Hugin Editores, Lisboa 1996.

BRUNO, Sampaio, Os Cavaleiros do Amor, compil. e introd. Joel Serrão, Guimarães Editores, Lisboa 1960.

CALVET, Carlos, Mitogeometria de Portugal, Hugin Editores, Lisboa 2001.

CARDOSO, Paulo, Frei Luís de Sousa: Uma Leitura Esotérica, Perspectivas & Realidades, Lisboa 1978.

COSTA, Dalila Pereira da, A Nau e o Graal, Lello & Irmãos Editores, Porto 1978.

DAEHNHARDT, Rainer, Páginas Secretas da História de Portugal, Publicações Quipu, Lisboa 2000.

DURAND, Gilbert, «O Imaginário Português e as Aspirações do Ocidente Cavaleiresco», in Cavalaria Espiritual e Conquista do Mundo, org. Yvette K. Centeno, Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa 1986.

ECO, Umberto, O Pêndulo de Foucault [Il Pendolo di Foucault, 1988], Círculo de Leitores, Lisboa 1990.

FREITAS, Lima de, «Considerações Portuguesas em torno do Preste João», in Cavalaria Espiritual e Conquista do Mundo, org. Yvette K. Centeno, Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa 1986.

HAPEL, Bruno, L’Ordre du Temple: Les Textes Fondateurs, Guy Trédaniel Éditeur, Paris 1991.

LOUÇÃO, Paulo Alexandre, Os Templários na Formação de Portugal, Ésquilo Multimédia, Lisboa 1999.

PESSOA, Fernando, Obra Poética e em Prosa, org. António Quadros e Dalila Pereira da Costa, volume I, Lello & Irmão Editores, Porto 1986.

PLATÃO, Timeu ou a Natureza e Crítias ou a Atlântida, trad. Norberto de Paula Lima, Hemus Editora, São Paulo s/d.

VITERBO, Frei Joaquim de Santa Rosa, «Tempreiros ou Templeiros», in Cadernos da Tradição: O Templo e a Ordem Templária de Portugal, director Manuel J. Gandra, Ano I, n.º 1, Verão de 2000.

NOTA DO WEBMASTER:

(*) Em substituição dos triângulos, deixamos outras imagens do símbolo da água (primeiro, com Cancer) e do fogo (o segundo).