O Sonho Alquímico de Enodato
e o Perfil do Filósofo Natural
A.M.AMORIM DA COSTA

1. Introdução

2. No deserto, mergulhado num mundo de miragens

3. A Imperatriz da quinta-essência de todas as quintas

4. Na Ilha dos sonhos

5. Notas

Jardins de Enodato (Imagens)

1. Introdução

Enodato de cujo sonho alquímico aqui desejamos falar, é Anselmo Munhós de Abreu, o autor de Ennœa ou Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal [1].

O seu nome completo é Anselmo Caetano Munhoz de Abreu Gusmão e Castelo Branco. Na folha de rosto de cada uma das Partes desta sua obra, ele próprio nos diz que era Doutor na Universidade de Coimbra, familiar do Santo Ofício. Médico do Excelentíssimo Senhor Duque de Aveiro e natural da antiquíssima Vila de Soure. Sabe-se que era filho do Dr. António Munhós de Abreu, formado na Faculdade dos Cânones, e de Simoa Godinho da Rosa. De acordo com Barbosa Machado sabe-se ainda que era Doutor em Medicina pela Universidade de Coimbra e que era “ornado de feliz memória, notícia das línguas mais polidas da Europa e não menos versado na lição dos Santos Padres, Sagrada Bíblia, disciplinas Matemáticas e mistérios ocultos da Química” [2]. Biograficamente, não há dados seguros para ir muito mais além. No seu “El Hermitaño y Torres - Conversaciones Physico-medicas y Chimicas, aventura curiosa em que se trata de la piedra philosophal”, impresso em 1726, Diego Torres Villaroel (1696-1770) refere-se a um amigo português que conheceu em Coimbra a quem viu preparar a pedra Filosofal usando o Mercúrio mineral [3]. Realçando a versatilidade de Anselmo Munho´s de Abreu pelos “mistérios ocultos da Química” da afirmação de Barbosa machado, já foi sugerido que esse português poderia ser o próprio Anselmo Munhós de Abreu. Aqui a anotamos como simples curiosidade [3].

Bibliograficamente, é também o próprio Anselmo Munhós de Abreu quem nos diz no seu Prólogo Galeato impresso com a Parte I da Enn œa entremeando a Dedicatória que faz da obra a D. Francisco de Menezes, Cónego da Igreja patriarcal de Lisboa e as Licenças do Santo Ofício, do Ordinário e do Paço. Nele refere o autor que foi para tirar Ouro do seu trabalho que Enodato compôs e mandou imprimir a Enn œa [4], sendo sua intenção torná-la pública só depois de terem sido também tornados públicos outros seus escritos, porque queria que ela fosse tida como a coroa de toda a sua obra e como tal, a exemplo do que fizera Alberto Magno, deveria ser a última a ser tornada pública. Neste contexto refere que embora já pronta, era intenção de Enodato só a tornar publica depois de ter concluído os demais escritos que tinha em preparação, nomeadamente, dois Volumes de folha com o título Systema Medico Galeno-Chymico, dois Tomos de oitavo com o título Vieira Abbrviado e três Volumes de folha com o título de Polymathia Medica Hermético-Galenica [5]. Porque não conseguiu imprimir essas obras com a mesma diligência e brevidade com que conseguiu imprimir a Enn œa, considera o autor ser crédito para Enodato “principiar a impressão dos seus escritos por onde acabou de estampar os seus Volumes, o grande Mestre de Santo Thomaz de Aquino, Santo Alberto Magno” (p.172). Destes três escritos que o próprio autor refere como escritos que tinha em execução, o Vieira Abbreviado foi impresso, em 1746, na Officina de Miguel Rodrigues, Lisboa; os outros chegaram até nós como Manuscritos. Para além destes seus escritos a que o próprio autor se refere no Prólogo Galeato, outros escritos têm sido incluídos nos reportórios da obra de Anselmo Caetano, incluindo [6].

Doutorado em Medicina, Anselmo Munhós de Abreu abandonou a sua prática depois “de três lustres imperfeitos” e viajou pela Itália e França [7]; um homem “versado na lição dos Santos Padres, Sagrada Bíblia, disciplinas Matemáticas e mistérios ocultos da Química” – como já referimos citando Barbosa Machado - ele possuía uma biblioteca bem apetrechada em Soure e tinha o seu próprio laboratório onde procedia às suas próprias operações [8]. Identificando-se na Enn œa (vocábulo grego composto da preposição en e do nome nous, palavras que valem o mesmo que Applicação do Entendimento” [9], com Enodato, que nela significa “a coisa declarada”, o mestre bem preparado para falar a Enódio “que vale o mesmo que cousa encontradiça” [10], num longo, paciente e erudito diálogo, sobre Pedra Filosofal, demonstrando-lhe a sua existência à luz das doutrinas de muitos e celebrados hermetistas e dos próprios argumentos de que usaram muitos e doutos filósofos, nomeadamente Atanásio Kircher e Bento Feijóo, para a negar.

Fá-lo na convicção de que não está a perder o seu tempo, pois “se os homens tanto suão, e trabalham para viver e terem com que vivão: em nenhuma Arte devem trabalhar e suar mais do que no estudo da Chymica, e no descobrimento da Chrysopeia” [11]. Depois da conversa de longas e longas horas, aduzidas todas as razões e todos os factos em favor da existência da Pedra Filosofal, e, a seu ver, rebatidos todos os argumentos de que se servem os não-herméticos para a negarem, sentindo que já mais nada tinha para declarar sobre o assunto, Enodato entrega a Enódio um papel em que escrevera na manhã do dia anterior um sonho que tivera. Era como que um teste passado ao discípulo para fazer a avaliação do quanto ele havia compreendido de toda a conversa que com ele havia tido: se fosse capaz de o interpretar, dever-se-ia sentir consolado; se o não entendesse, não se deveria sentir surpreendido porque se tratava de facto, de um sonho misterioso, mas não se “deveria aplicar então ao estudo da Chymica porque não tiraria dele qualquer fruto” [12]. Mas era também seguir uma das mais comuns e coonstantes tradições dos alquimistas qual seja a de revelarem as suas visões por Maio de sonhos: apagados os olhos do corpo por acção da Pedra Filosofal que conseguiram, abrem-se os olhos da alma e o adepto vê e entende finalmente os mistérios que busca, relativos a Deus, ao homem e ao universo inteiro.

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A.M.AMORIM DA COSTA. Dept. Química, Faculdade de Ciências e Tecnologia . Universidade de Coimbra . 3004 – 535 Coimbra – Portugal

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Última Actualização:
06-Apr-2006