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JOSÉ CASQUILHO & SÉRGIO BARRETO
O sândalo branco

Introdução

Esboço histórico do sândalo em Timor-Leste

Características do sândalo branco

Perspectivas de futuro

Esboço histórico do sândalo em Timor-Leste

Desde sempre o sândalo foi explorado e comercializado com as rainhas e os régulos dos pequenos reinos em que Timor se repartia. Conforme nos conta Ruy Cinatti (1), a períodos prolongados de grande extracção, sucederam-se quebras acentuadas e algumas tentativas de repovoamento. São conhecidas referências antigas como a carta do vice-rei António da Câmara Coutinho a D. Pedro II (final do sec. XVII) onde já se afirmava a propósito da extracção de sândalo em Timor : ”...e ainda que nesta tenha havido grandes cortes, contudo como a terra naturalmente o produz poder-se-á melhorar esta desordem não só com o benefício do tempo, mas também com o cuidado, zelo e desinteresse de quem as for governar...”.

Foi longa a história da exploração desenfreada do sândalo durante o colonialismo português. Em Agosto de 1702 o capitão-geral da cidade de Macau lembrava que sem o trato com Timor, Macau havia de perecer, pois da ilha tirava o Senado a maior parte ou quase todas as suas contribuições e despesas. Já em 1590 dizia o bispo de Cochim relativamente ao sândalo de Timor: “vendido em 1ª mão ganham os que o vão buscar cem por cento para os lucros que levam”.

Pode mesmo dizer-se que foi o comércio de sândalo que atraiu a Timor toda a navegação. Mas, desde cedo, ocorreram períodos de alternância no volume de abate e exportação. Um memorial de 1697 refere que “o sândalo que era nesta ilha o principal comércio, está quase de todo estancado pela grande cresta que, no fim da sua vida lhe deu António Hornay”, então o capitão-mor de Solor e Timor.

Quanto menores eram os recursos de sândalo maiores eram as cobiças. Sem remuneração do Estado o cargo de capitão-mor de Solor e Timor usufruía o melhor que a terra lhe dava : tributos, castigos e penalidades traduziam-se em paus de sândalo – “ e por via destas condenações tiram os ditos capitães-mores e outros seus ministros, em cada ano, acima de oito bares de sândalo e cada bar tem seis picos...”

No século XVIII e princípios do XIX, na época dos exploradores e naturalistas (ingleses, franceses e holandeses), o comércio do sândalo também diminuía, por impossibilidade do tráfego seguro e pelo esgotamento dos povoamentos do litoral. Em 1860 existe notícia de que a descoberta de outras espécies de sândalo fez baixar consideravelmente o preço do sândalo branco de Timor: “... e hoje está tão baixo que não paga as despesas do transporte do interior aos portos de mar”.

O período que o sândalo demora a crescer a ponto de se tornar uma árvore adulta é de cerca de 30 a 40 anos. É pois natural haver oscilações com esta amplitude, que se traduzem em ciclos de abate e exportação e contra-ciclos de interrupção do comércio e regeneração.

No último quartel do século XIX o sândalo ocupava ainda uma área bastante extensa, no interior de Timor. Mesmo o litoral, nos arredores de Dili por exemplo, tinha sândalo, como refere A. R. Wallace em 1861.

Em 1901 o governador Celestino da Silva, grande impulsionador do fomento agrícola da ilha, anuncia medidas enérgicas de contenção da extracção do sândalo em vários distritos, onde fica expressamente proibido o abate de árvores. Em 1911 outro governador, Filomeno da Câmara, publicou severa legislação contrariando o abate de árvores mas a impossibilidade de fiscalização levou a que continuasse paulatinamente, até que em 1925 o governador Raymundo Meira proíbe o corte de sândalo em toda a ilha.

Ruy Cinatti fornece-nos a série cronológica do peso total em toneladas (pau e raiz) de sândalo branco exportado de 1910 a 1924:

A regressão linear da variável-resposta “peso exportado” em relação à variável independente “ano” revela-se estatisticamente significativa (p-value: 0.002621) sendo explicada cerca de 55% da variabilidade total da variável “peso exportado” pela recta; o declive negativo dessa recta (b=-57.30) mostra que, em média, por cada ano que passa diminuiu o total exportado em quase 60 toneladas - essa foi a tendência geral observada. O diagnóstico gráfico da regressão evidencia essa tendência associada à nuvem de pontos, existindo também resíduos fortes, dos quais 4 são valores anómalos (“outliers”), sobretudo o valor excepcionalmente elevado exportado em 1913.

Em 1934, sob o governo de Manso Preto, são regulamentadas pela primeira vez as sementeiras. Em 1939 sobreveio a guerra e só terminada esta recomeçou a iniciativa de reconstituição de povoamentos; em 1946 o governador Óscar Ruas prescrevia, a todas as circunscrições, a renovação ou a formação de matas pela preparação de viveiros.

Muitos milhares de sementes foram lançadas à terra e muitas plantas de sândalo crescidas em viveiro foram plantadas com cuidados extremos que chegavam ao ponto de limpar toda a vegetação circundante e semear o sândalo em canudos de bambú. As jovens plantas morriam com 10 a 15 dias de vida, não se sabia porquê.

Foi então que Ruy Cinatti descobriu num livro australiano (2) a descrição da natureza hemi-parasitária do sândalo branco e das outras espécies do género. Estava explicado o mistério: a remoção da vegetação nas áreas a plantar, uma técnica tradicional para evitar a competição com as jovens plantas, retirava os potenciais hospedeiros necessários ao vingamento dos exemplares de sândalo. Após mais de 300 anos de exploração intensiva os portugueses ainda desconheciam um aspecto fundamental da ecofisiologia da espécie.

No último quartel da colonização portuguesa (1950-1975) não parece haver grandes notícias sobre a exportação de sândalo; com efeito depois de 1939 deixa de constar nas estatísticas, mas sabe-se que pelo menos em 1966 e 1967 foram feitos desbastes em Tilomar e Oecussi num total superior a 50 toneladas (3).

Durante o período da ocupação indonésia (1975-1999) não existem dados que conheçamos sobre o volume de abate e exportação até que nos anos 1989/1990 estão declarados cerca de 18 toneladas, quantidade que em 1991 aumentou para 54 toneladas (4). Existe uma estimativa global de cerca de 50 toneladas por ano durante o período de ocupação.

Após a independência, nos anos de 2000 a 2003, crê-se que tenha havido uma exploração total de cerca de 200-300 toneladas legais (em Baucau e Lospalos), presumivelmente ultrapassadas com os cortes ilegais, sobretudo nas zonas de fronteira.

A inventariação feita pelos serviços florestais em 2003 (nos distritos de Bobonaro, Covalima e Lospalos ) da distribuição das plantas, permitiu concluir que cerca de 60% dos exemplares apresentam um diâmetro entre 0- 5 cm, 30% com diâmetros de 5- 10 cm, 5% com valores de 10- 15 cm, 4% na gama de 15- 20 cm, e, finalmente, 1% com diâmetro maior que 20 cm. Trata-se pois de um diagnóstico de povoamentos juvenis, cujo futuro importa preservar como prevê o artº 60º da Constituição da RDTL.

Notas

(1) Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes - Esboço Histórico do Sândalo no Timor Português. Junta de Investigações Coloniais, Lisboa, 1950.

(2) C. T. White: An elementary text-book of Australian forest botany – Sidney, 1922

(3) Luís Manuel Moreira da Silva Reis: Timor-Leste, 1953-1975 – O desenvolvimento agrícola na última fase da colonização portuguesa (tese de Mestrado). Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 2000.

(4) Informação prestada pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Pescas da RDTL