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JOSÉ CASQUILHO
O Sancy:
mais de cinco séculos de história (1)
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Homenagem a René Thom |
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O Sancy é um diamante famoso – a sua trajectória ao longo da história ilustra alguns dos acontecimentos mais marcantes na Europa nos últimos 500 anos do milénio passado: a emergência da dominação dos |
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Habsburgos, a perda de independência de Portugal, o fim dos Valois em França, a guerra civil em Inglaterra, a revolução francesa, o romantismo, e finalmente a dominação do capitalismo financeiro do século XX a que sucede um remate socialista. O Sancy é um diamante originário da Índia e pesa cerca de 55 quilates, tem uma forma oval/pera, dir-se-ia uma amêndoa, e está talhado em rosa dupla. Encontra-se na galeria de Apolo do museu do Louvre, em Paris. |
A história do Sancy
(IMAGEM: A derrota de Carlos o Temerário, representado caído sobre o cavalo, de escudo às listas azul e amarelo – obtida na internet)
Alguns autores referem que o diamante pertenceu a Carlos o Temerário, Duque de Borgonha, filho de Filipe o Bom, da casa de Valois, e de Isabel de Portugal, única filha de D. João I. |
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Carlos - considerado o último grande representante do espírito feudal - perdeu a vida na batalha de Nancy, em 1477, e, como consequência, o ducado de Borgonha veio a integrar-se no Sacro Império Romano através do casamento da filha, Maria de Borgonha, com Maximiliano da Austria, de quem virá a nascer Filipe I de Castela. Carlos levou o diamante para a batalha, e assim, o Sancy testemunhou o acontecimento que veio fazer emergir os Habsburgos para o primeiro plano das famílias reinantes da Europa.
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O diamante, recuperado como despojo do duque – aqui, presumivelmente representado no peitoral direito - foi vendido por um soldado suíço a um clérigo que por sua vez o terá revendido a um negociante de Luzerna.
(Carlos o Temerário, duque de Borgonha, Metropolitan Museum of Art, N.Y., porm.) |
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Também se refere que em 1495 o diamante foi adquirido por D. Manuel I, o Venturoso, rei de Portugal, o soberano mais rico da Europa do seu tempo e vértice da modernidade e dos novos mundos. E em Portugal o diamante permaneceu durante o resto da dinastia de Aviz. |
Num retrato datado de 1553, D. Joana de Habsburgo, irmã de Filipe II de Espanha, mãe de D. Sebastião, ostenta no toucado a cruz das princesas de Portugal e um pendente central onde a pedra do meio poderá ser, talvez, o diamante mais tarde chamado de Sancy.
(Joana de Habsburgo, de Cristovão de Morais, Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, porm.) |
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Passado um quarto de século, a 4 de Agosto de 1578, dá-se a catástrofe da batalha de Alcácer Quibir. Morre D. Sebastião com 24 anos, o Desejado, sem descendência.
Sucede-se o governo breve do tio-avô, o cardeal-rei D. Henrique, muito ocupado a resgatar prisioneiros do reino de Fez e a negociar a sucessão do trono.
D. António, prior do Crato - filho bastardo do infante D. Luís, duque de Beja, irmão de D. João III – apoiado pelo povo e por alguma nobreza, foi aclamado rei de Portugal, mas abandona Lisboa a seguir à batalha de Alcântara, em 1580. Venceram as tropas de Filipe II que assim conquistou a coroa de Portugal: durante 60 anos ficará nas mãos dos Habsburgos de Espanha.
D. António estabelece governo no exílio, a parte final passada em França (1), onde empenhou e depois vendeu o diamante a Nicholas de Sancy, embaixador da França na Turquia, no reinado de Henrique III, o último rei da dinastia dos Valois.
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(D. Sebastião de Portugal, oficina de Alonso Coello,
Kunsthistorisches Museum, Viena ) |
Existe na Torre do Tombo uma carta de Sebastiani Pardin dirigida a D. António, datada de 1588 (2), onde se dá conta dos termos finais da transacção de um diamante com as armas do rei de Portugal. Assim, o diamante era um símbolo maior de Portugal e da casa de Aviz – admite-se que constitua o corpo central da jóia com a cruz de Cristo que D. Sebastião transporta: por debaixo da cruz vê-se que está um diamante em forma de pera. |
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Notas |
(1) Sabe-se que já anteriormente D. António tinha empenhado o diamante junto do conde de Leicester em Inglaterra cerca de 1582, mas conseguiu reavê-lo.
(2) ANTT, Referências: Arquivo de D. António, carta nº 43. |
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