O JARDIM BOTÂNICO DE LISBOA (2)
Em fins de 1877 estavam concluídas as obras dos corpos laterais da estufa e o conde de FICALHO (1878) podia escrever: «O systema de aquecimento, de assombramento e de ventilação funccionam do modo o mais perfeito. E a excellente apparencia das plantas ali collocadas mostra as boas condições da estufa» (1). Quanto ao corpo central, os violentos temporais que assolaram o país nos fins de 1876 causaram importantes danos na armação metálica da respectiva cobertura. Foi celebrado um contrato adicional com a casa ORMSON para a reparação dos prejuízos, mas a vistoria feita por técnicos portugueses, após conserto, mostrou não terem sido satisfatórias as melhorias introduzidas. Em Dezembro de 1877 não estavam ainda completadas as reparações e foi necessário encarregar J. J. DE PAIVA CABRAL COUCEIRO de dirigir as obras indispensáveis, que foram dadas como concluídas em Fevereiro de 1878. As despesas foram pagas pela Junta Administrativa da Escola. Nesta época, o jardim contava já com número avultado de exemplares obtidos das formas mais diversas. Havia, então, um total de 10 900 plantas distribuídas da seguinte forma: Na estufa, 1500 exemplares representando 50 famílias; na escola botânica estavam representadas 157 famílias, por intermédio de 3400 espécies; nos viveiros e parte inferior do jardim existia o número de espécimes necessário para perfazer o total acima mencionado (2) . À proveniência deste numeroso conjunto de vegetais referiu-se o conde de FICALHO (1878) no seguinte trecho do seu relatório: «Das plantas que temos hoje em cultura, algumas provêm do jardim botânico da Ajuda, muitas têem sido compradas e obtidas de sementes enviadas pelos principaes jardins botânicos, outras offerecidas por diversos estabelecimentos scientíficos, avultando entre estas as que devemos à liberalidade do sr. DECAISNE, actual director do jardim das plantas de Paris. Devo também dizer que, por troca ou offerecimento, tenho obtido plantas de diversos jardins do paiz e nomeadamente do actual jardim da Ajuda de Sua Magestade El-Rei, do jardim dos srs. duques de PALMELLA, do sr. JOSÉ DO CANTO, da ilha de S. Miguel, e do choupal de Coimbra» (3). A actividade de J. DAVEAU concentrou-se principalmente na parte inferior do jardim. É a ele que se deve o traçado da chamada «rua das Palmeiras», a organização do arboreto, e respectivo sistema de rega, e também dos riachos e cascatas. A pedra para a construção destas cascatas foi transportada da Serra de Monsanto, dos terrenos vizinhos ao forte, pertencentes ao Ministério da Guerra. Esta construção foi feita em períodos diferentes, havendo notícia do transporte de pedra para cascata em 1878, 1883 e 1889. As relações de troca de sementes e plantas, com jardins botânicos estrangeiros, foram iniciadas na época em que J. DAVEAU se ocupou do horto botânico lisbonense. Já em 1877, pelo menos, haviam começado a chegar a este jardim os catálogos de sementes do estrangeiro. Um dos prímeiros a ser recebido foi o do jardim botânico de Manila. No ano imediato foi possível expedir o primeiro lndex Seminum, organizado por DAVEAU, mas para este resultado muito contribuiu a actividade exercida anteríormente por E. GOEZE a quem, aliás, se deve a organização do prímeiro catálogo de sementes do jardim botânico de Coimbra, distribuído em 1868 e onde se ofereciam diásporos de 380 espécies. O número de táxones, na quase totalidade espécies, mencionados no prímeiro catálogo do horto botânico de Lisboa foi de 1559, com nítido predomínio de plantas cultivadas sobre plantas indígenas. Em 1880 este número subiria a 2346. A qualidade dos serviços prestados por J. DAVEAU foi, muito cedo, posta em destaque, pelo conde de FICALHO. Em 10 de Maio de 1879, este professor, após ter findado o primeiro contrato daquele jardineiro e atendendo ao seu zelo e competência, propôs a renovação do contrato, por dois ou três anos, e que o ordenado fosse elevado a 800$000 réis anuais, dado o considerável aumento do jardim, não só em extensão, mas também relativamente aos novos serviços em marcha, entre os quais avultava o de intercâmbio de diásporos. O director do jardim propôs, ainda, que o jardineiro-chefe J. DAVEAU pudesse ser encarregado de explorações botânicas, acompanhando alunos ou coligindo plantas para os herbários, de que fora também incumbido. Até 1892, ano em que este funcionário pediu a exoneração do seu cargo, repetiram-se as renovações do seu contrato. A expansão do jardim é atestada, entre outros motivos, pelo aumento do número de bocas de rega. Em Julho de 1877, foi solicitada à Companhia das Águas de Lisboa a instalação de 6 bocas de rega e de vários ramais de canalização e, em Julho de 1879, pediram-se mais 9 bocas de rega. As obras e as novas plantações progrediam em bom ritmo e, em 23 de Maio de 1884, o conde de FICALHO, perante dificuldades administrativas, chamava a atenção do Director da Politécnica nos seguintes termos: «Consegui terminar todas as plantações importantes, mas a verba destinada ao custeio dos estabelecimentos está quase extinta» (4). Foi, por isto, indispensável reduzir as despesas ao mínimo e houve que despedir parte dos trabalhadores, mantendo-se apenas o pessoal fixo do jardim. Nesta data, a área cultivada devia, talvez, exceder 3 hectares, e ainda no tempo de DAVEAU chegou a 4, ou seja, foi praticamente atingida a máxima capacidade de expansão. Em 1886, estava já o jardim em condições de poder oferecer elevado número de plantas de diferentes espécies à Câmara Municipal de Lisboa. Nesse mesmo ano e a propósito do prosseguimento das obras da Avenida da Liberdade, a Câmara Municipal apresentou à Escola Politécnica um projecto que conferiria ao jardim considerável aumento de área ao mesmo tempo que se estabeleceria, segundo o desejo da municipalidade, uma comunicação fácil com a citada avenida. Para este fim tornava-se necessária a expropriação do prédio da Rua do Salitre com os n.ºs 95 e 97, prédio que através de um jardim contíguo confinava com o limite inferior do horto botânico. ANDRADE CORVO, que então reassumira o cargo de Director da Politécnica, respondeu à proposta acima mencionada. informando que nenhum inconveniente havia na aludida expropriação e que, se de momento, o aumento da área para ajardinamento não era uma necessidade, tal área poderia ser muito útil no futuro. O Conselho chegou mesmo a elaborar uma representação dirigida ao rei onde se afirmava, com perfeito conhecimento de causa e esclarecida previsão: «se esta ocasião única não for aproveitada será mais tarde inexequível semelhante mélhoramento, ou exigirá, pelo menos, despesas de tal modo avultadas que dificilmente se realizará». Ainda em nossos dias se poderia subscrever a parte final deste trecho. Ao que supomos. foi esta a primeira tentativa para se estabelecer uma comunicação com a Avenida da Liberdade, mas tanto esta como as seguintes resumiram-se a completo malogro. Dificuldades financeiras teriam constituído, por certo, a causa principal da desistência em relação ao projecto acima indicado. o ano de 1887 ficou assinalado na vida do jardim botânico lisbonense por virtude da abertura do túnel da linha urbana pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses. O traçado deste túnel, mais conhecido por túnel do Rossio, intersectava a parte inferior do jardim na direcção aproximada de Sudeste-Noroeste. Para serviço e abertura do túnel era indispensável a abertura de um poço rectangular com 40 X 10 metros, nas proximidades do limite do jardim voltado para o actual Parque Mayer. O Conselho foi informado deste assunto na sessão de 1 de Junho de 1887 e decidiu convidar a Companhia a enviar um perito a entender-se com o director do jardim sobre o local onde se deveria abrir aquele poço e deliberou informar o Governo da necessidade de ser indemnizada a Escola do prejuízo causado pelas obras. O conde de FICALHO foi então encarregado de redigir um parecer sobre as condições a impor à Companhia para que fossem mínimos os prejuízos, tanto durante a execução como depois de terminada a obra. Este parecer foi bem recebido pela Companhia e, mediante uma planta, foram estabelecidos os limites do terreno destinado à serventia da abertura do poço. Em 30 de Setembro de 1887, o Director da Escola, conselheiro e par do reino, JOÃO DE ANDRADE CORVO, assinou a escritura de caução segundo a qual, entre outras condições, a Companhia se comprometeu a indemnizar a Escola de todo o prejuízo que fosse causado ao jardim e bem assim das despesas que houvesse a fazer para restituir o terreno ao estado primitivo e as relativas à ocupação temporária do mesmo terreno. Para obstar a maiores danos, os empreiteiros foram obrigados a vedar a área concedida para as obras por meio de um tapume, mas meses depois de iniciadas as obras já as terras extraídas do terreno concedido trasbordavam além dos limites marcados, devido a ter abatido o tapume. O empreiteiro decidiu, arbitrariamente, erguer novo tapume fora do limite previsto anteriormente e isto motivou uma reclamação do conde de FICALHO, em sessão do Conselho de 4 de Fevereiro de 1888. Os prejuízos causados pela abertura do túnel incidiram também no Observatório Astronómico, dada a violência das explosões de dinamite e o facto de o terreno em que assentava parte do edifício daquele estabelecimento não ter a consistência necessária. Em princípios de 1890, as terras removidas não tinham ainda sido repostas nos primitivos locais e acumulavam-se, em parte, de encontro a um muro. Por se recear que a pressão sobre este muro fosse superior à sua resistência. o conde de FICALHO, na sessão do Conselho de 14 de Março do mesmo ano, propôs fosse efectuada uma inspecção para em caso de perigo se poderem exigir as obras necessárias para o evitar. Nesta data já o poço tinha sido fechado, mas havia necessidade de uma vistoria por uma comissão de técnicos para se salvaguardarem os interesses do jardim. Como parte da indemnização devida pela Companhia, o conde de FICALHO obteve do empreiteiro a garantia da construção de um lago, na parte de baixo do jardim, não muito afastado do local onde fora aberto o poço (5). Como se tivesse gorado o projecto da comunicação com a Avenida da Liberdade, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu propor, talvez como alternativa, a abertura de uma ampla entrada, com gradeamento e portão de ferro ligando o jardim à Rua do Salitre. O projecto, assinado pelo Engº F. RESSANO GARCIA, foi apresentado à Escola e, no Conselho de 1 de Maio de 1889, foi resolvido, de acordo com o director do jardim, informar que não havia inconveniente na realização do plano camarário, mas fez-se constar que a abertura da referida comunicação de modo algum constituiria servidão, nem inibiria o Conselho ou a direcção do jardim de a mandar encerrar nas horas, dias ou períodos que fossem julgados necessários. O jardim permaneceria, como até então, propriedade particular da Escola. Na resposta do Prof. ANDRADE CORVO, voltou a chamar-se a atenção para a maior vantagem no traçado de uma comunicação para a Avenida da Liberdade, mas, em qualquer das hipóteses, seria forçoso construir uma casa para o porteiro e aumentar o pessoal com o número de guardas e de porteiros julgados suficientes. A despeito das boas vontades empenhadas na realização deste plano de obras não foi possível concretizá-lo. Ainda em 1889, por se atender ao estado de completa ruína em que se encontrava a estufa de madeira colocada no seguimento da estufa grande, foi necessário proceder à sua substituição por um novo corpo de ferro e vidro. Em Novembro desse ano, esse corpo de estufa encontrava-se já na Alfândega e a Escola solicitava a isenção de direitos de entrada. Este novo e último corpo de estufa manteve-se em serviço, mediante sucessivas reparações, até 1962, ano em que começaram as obras para a edificação das actuais estufas. O plano relativo à comunicação com a Avenida da Liberdade voltou a ser considerado pela Câmara Municipal em 1890, mas, desta vez, o projecto, notavelmente ampliado em relação ao anterior, envolvia a abertura de uma avenida com 20 metros de largo, que se estenderia desde aquela artéria até ao jardim da Escola, e a montagem de um ascensor. Este ascensor passaria pelo eixo da nova avenida e no seu percurso através do jardim estabeleceria ligação com a Rua da Escola Politécnica, desembocando junto ao portão oriental desta escola. Para vencer a diferença de nível entre o topo da nova avenida e os terrenos do jardim, seria construída uma escadaria permitindo a passagem do elevador . Os termos em que este problema foi presente ao Conselho escolar não eram de molde a satisfazer, nomeadamente por implicarem redução da área do jardim e também por outras razões posteriormente analisadas por uma comissão designada no Conselho de 3 de Fevereiro de 1891. Desta comissão faziam parte o novo Director, L. A. ALBUQUERQUE (6) e mais três professores, o conde de FICALHO, COSTA LIMA e ROQUETE. Na resposta, remetida pela Escola, em Maio do mesmo ano, sobre este problema, foram apresentadas várias objecções ao projecto e pedidos informes complementares. Só depois seria possível formular um parecer definitivo. O principal interessado no plano do ascensor era o conde de MOSER, que, mediante a concessão de terrenos para a rectificação da Avenida da Liberdade e para a abertura da nova avenida e do financiamento do elevador, ficaria sendo proprietário exclusivo deste meio de transporte, em toda a sua extensão. Não logrou este plano o almejado êxito e, tanto quanto sabemos, não mais foi pedida a utilização do J ardim Botânico para a passagem permanente de quaisquer veículos de transporte público. Em 1892, J. DAVEAU decidiu pedir a demissão de jardineiro-chefe e o conselho escolar, atendendo à boa qualidade dos serviços prestados durante mais de quinze anos, no Jardim e no Museu Botânico, deliberou exarar na acta das sessões dois votos, um de sentimento pela retirada deste funcionário exemplar e outro de louvor pela dedicação que sempre mostrara no exercício do seu cargo. O governo distinguiu-o conferindo-lhe a Comenda de Cristo e o Oficialato de S. Tiago. A Academia das Ciências de Lisboa também o homenageou elegendo-o sócio correspondente. Em Janeiro do ano imediato já J. DAVEAU havia tomado posse do cargo de jardineiro-chefe do Jardim Botânico da Universidade de Montpellier. Não foi descurado o provimento do lugar deixado vago e, em 25 de Outubro de 1892, propunha a Escola que fosse contratado HENRI FERNAND CAYEUX para jardineiro-chefe. Este novo jardineiro, igualmente francês e recomendado por DAVEAU, era diplomado pela Escola Nacional de Horticultura de Versailles, tinha sido subchefe do Jardim das Plantas, anexo ao Museu Nacional de História Natural de Paris, e, ao partir para Portugal, exercia as funções de director das culturas em Pontchartrain. NOTAS (1) Cfr. Escola Polytechnica (1877-1878), pgs. 76-77. |