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BOLETIM DO NCH
Nº 15, 2006
Dedicado a Pedro da Silveira

PROPRIEDADE PICOENSE DE JOS DUTRA,
2.º CAPITÃO DO FAIAL E PICO
NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XVI

RUTE DIAS GREGÓRIO

INDEX
Sumário
Summary
Introdução
Localização e composição dos bens
Estratégias de exploração das terras
Conclusão
Bibliografia e fontes
Documentos

Localização e composição dos bens

Como comprova o D ocumento 1, por volta de 1517/1518 o segundo capitão do Faial e Pico possuía, nesta última ilha, um razoável conjunto de bens, composto por edifícios, terras e gado. Excluindo a referência ao Capelo que inicia o inventário – na ilha do Faial e que não serve os propósitos deste trabalho –, os bens de Jos Dutra, no Pico, localizavam-se na vila das Lajes e nas áreas dos Mosteiros, Lagido Pequeno e Monte Queimado. Os três últimos topónimos levantam algumas dificuldades, mas em estudo anterior o Monte Queimado foi localizado na banda Oeste da ilha, o Lagido Pequeno na banda Noroeste ( G regório , 2001: 107, 220 e 313) e hoje é sabido que os mosteiros ficariam nas imediações das furnas do Lagido Pequeno e além da Calheta do Peixe ( O Tombo de Pêro Anes do Canto (1482-1515) [1515], doc. 65, 158-159). Para mais, a terra confrontante com o cabeço da sellada d’atalhada e com terra de Pêro Anes do Canto talvez se situasse nas proximidades da Calheta de Mateus, já que em 1511 a mulher de Pêro Anes de Caria possuía ali uma terra confrontante com outra de Pêro Anes do Canto e ambos os proprietários são referenciados como contíguos na dita terra do cabeço da sellada d’atalhada , pertencente ao capitão.

Comparando as localizações destes bens com as parcas referências às do património de Beatriz de Macedo, mãe deste capitão e mulher do primeiro (também Jos Dutra), a área do Monte Queimado – se bem que não determinada explicitamente a ilha – reaparece no respectivo testamento ( Arquivo dos Açores [1527], I: 167). Não excluindo de todo a hipótese da antiga capitoa ter obtido a terra após a morte de seu marido, a verdade é que a probabilidade desta posse se ter afirmado antes de 1495 e em vida do antigo capitão é também muito credível. Tal fundamentaria a conjectura de uma área de interesse quatrocentista no Pico, ligada à criação de gado, cuja proximidade do topónimo actual Criação Velha não é pois inconsequente e antes aponta para a antiguidade e contornos da primeira ocupação do lugar.

Entre os bens, salientam-se inicialmente os relacionados com os direitos da capitania, como os fornos de poia e a cadeia (Q uadro I, n. os 1 e 3). É sabido que aos capitães pertencia o monopólio dos referidos fornos e que as respectivas competências também abarcavam o judicial. Não obstante, é difícil documentar os reais âmbitos dessa alçada nas épocas mais remotas, já que praticamente não existe documentação sobre o exercício destas funções (S aldanha , 1992: 53-53). Para os Açores, são conhecidos alguns registos de soldadas a carcereiros e gastos com a manutenção da cadeia da vila da Praia - Terceira (1533-1537), tal como documentamos o exercício desta competência na ilha de S. Miguel (1510), em situações de apelação na alçada do cível e envolvendo questões da posse da terra ( Arquivo dos Açores [1510], XI: 4-8). Para mais, a carta de alçada dos capitães ao nível do judicial, de 1520, pressupõe amplos poderes, tanto no cível como no crime ( Fenix Angrence [c. 1689-1711], 1: 157-158). Não obstante, praticamente nada restou dos registos dos processos e da aplicação das sentenças, com incidência na alçada do crime, tanto para o Pico como para as demais ilhas. Ao mesmo tempo e como corolário, é impossível calcular os proventos materiais que advinham do exercício de tais competências judiciais.

 

Idêntica omissão documental acontece quanto aos réditos e formas de gestão dos fornos. Neste último caso, os dados tratados para a capitania da Praia (Terceira), de 1534 a 1537, são até agora únicos e mostram uma forma de gestão assente em arrendamentos anuais em praça pública (G regório , 2004: 169). É desconhecido se Jos Dutra rentabilizava do mesmo modo os seus fornos de poia da vila das Lajes, sendo certo que esta prática de arrendamento já se documenta em senhorios continentais de quatrocentos (G onçalves , 1989: 459).

Fora os referidos, emerge um outro conjunto de bens patrimoniais próprios, assentes em escritura de compra (Q UADRO I, n. os 5 e 8), invocando obscuras cartas de dadas ( Quadro I, n.º 7) ou títulos não definidos ( Quadro I, n.º 4) e ainda apenas fundamentados em demarcações por direitos de posse antiga ( Quadro I, n. os 2 e 3). Sesmarias e compras constituem as habituais formas de aquisição do património nos primórdios da ocupação das ilhas, inclusive no Pico ( Gregório , 1998: 514-515). O que aqui se torna interessante ressalvar é a fundamentação baseada em demarcações antigas, o que tanto pode apontar para registos escritos constantes num qualquer «cadastro», como para a existência de marcos físicos no espaço. Uma das alternativas serviria, pelo menos para o capitão, como prova de «terra possuída».

Em relação a estes bens próprios, registemos as edificações, ditas casas , duas de palha para abrigo dos pastores ( Quadro I, n. os 5 e 6) e umas que se anunciam mais elaboradas, de sobrado ( Quadro I, n.º 1), talvez com funções de residência no segundo piso e armazenamento no primeiro. A afirmação é feita de modo hipotético, com base em estudos que confirmam o estabelecimento deste tipo de estruturas nas localidades mais significativas das ilhas e funcionando como uma espécie de «cabeça» dos patrimónios individuais ( Gregório , 1998: 11), se bem que muitas destas averiguações ainda se encontrem inéditas.

Já no concernente às terras propriamente ditas, tirando a d’atalhada que não fica claro como é aproveitada ( Quadro I, n.º 8), apenas uma se tem por lavradia e de sementeira ( Quadro I, n.º 3), sendo as demais exploradas com criação de gado. Ficam por explicitar objectivamente os cultivos da terra da ladeyra , defronte das casas do capitão ( Quadro I, n.º 2), mas é possível adiantar mais alguns dados e conclusões a propósito das cryações .

Rute Dias Gregório – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais. Rua da Mãe de Deus. Universidade dos Açores. 9501-801 Ponta Delgada – rute@notes.uac.pt