As rochas, numa caminhada de mais de 2000 anos

A.M. GALOPIM DE CARVALHO


Desde, pelo menos, a Antiguidade grega e durante séculos, o termo pedra tanto indicava uma rocha como um mineral. Hoje não confundimos e sabemos que, para termos uma ideia, ainda que básica, sobre as rochas, temos de saber o que são os minerais e, para sabermos algo sobre os minerais, não podemos prescindir de alguns conhecimentos sobre as rochas.

Todos falamos hoje de minas e minerais, com base num saber empírico e vulgar ligado à experiência quotidiana. Mina é uma palavra do vocabulário popular ligada a uma actividade tradicional. Quem vive no campo, sem a comodidade do abastecimento de água canalizada, sabe que uma mina de água é uma escavação na horizontal, feita numa encosta do terreno, a fim de captar a água que aí circula no seu interior. Palavra que se julga radicada na cultura céltica, trazida por um povo portador da metalurgia do ferro, mina significa escavação na terra. Minerar é, pois, escavar e mineral é o que da terra se retira por escavação. Minar é escavar e é, também, fossar e fossa é uma escavação. E é por isso que, no passado, até ao século XVIII, “fóssil” era todo o material (com excepção do orgânico) que se desenterrava ou extraía de dentro da terra (do latim “fossile”, desenterrado), o que abrangia, não só os minerais e as rochas, como também os “petrificados” (nome que se dava aos fósseis, no sentido que hoje damos ao termo) e os achados arqueológicos.

No Livro das Pedras, de Aristóteles (384-322 a. C.), que se julga não ser da autoria deste filósofo e fundador do Liceu de Atenas, mas sim uma compilação das suas ideias feita por um anónimo, provavelmente um árabe posterior ao século IX, além de pedras comuns, distinguem-se gemas, metais e sais, e disserta-se sobre a influência dos astros, em geral, e do Sol, em particular, no nascimento destes objectos naturais. A sua visão acerca das “influências celestiais” era a de que, sob o efeito dos raios solares, certas exalações se escapavam para a atmosfera. Destas, as chamadas “exalações secas”, associadas às trovoadas, condensavam e caíam na Terra, sob as formas de chuva de pedra (granizo) e de pedras vindas do espaço (meteoritos). Segundo a mesma visão, havia outras exalações susceptíveis de gerar pedras, incluindo nesta designação rochas, minerais e fósseis surgidos e desenvolvidos à superfície e no subsolo, por efeito de “virtudes petrificantes” originárias do céu e dos diversos corpos celestes, nomeadamente os planetas e as estrelas, entre as quais o Sol tinha papel de destaque.

O seu discípulo mais notável, Teofrasto (372-287 a. C), continuador do dito Liceu, debruçou-se mais objectivamente sobre estes produtos naturais e, entre as várias obras que deixou, sobressaem vestígios de um tratado sobre as pedras. Tido como a primeira obra escrita neste domínio, envolve, ainda, minerais, minas e metalurgia. Deve-se a Teofrasto um esboço de classificação dos ditos produtos, com base nas respectivas utilidades. Entre eles, figuram o calcário, o xisto argiloso, o basalto, o pórfiro, o ofito (dolerito) e o mármore, indicando ainda as suas utilizações práticas na indústria e na arte.

Pouco mais de três séculos depois, Plínio, o Velho, (23-79 d.C.), o grande enciclopedista romano, baseia-se na obra de Teofrasto em muitas das suas alusões às rochas, ainda não designadas como tal, mas sim como pedras. Estes conhecimentos mantiveram-se até finais do século XV, em finais da Idade Média.

Na idade Média, o persa, Abu Ali al-Hussein ibn Abd-Allah ibn Sina (980-1037), mais conhecido por Avicena, médico, filósofo e alquimista de cultura enciclopédica, deixava-nos um outro tratado sobre as pedras, “De Lapidibus” (na tradução latina), do qual consta a primeira classificação dos objectos do chamado “Reino Mineral”, numa época em que, como se disse atrás, ainda se não fazia a distinção entre rochas, minerais e fósseis. Desta classificação constam quatro classes: “pedras e terras”, “minerais fusíveis e sulfurosos”, “metais” e “sais”.

No século XIII, também o dominicano Albert von Bollstadt (1206 -1280) se interessou pelas pedras no seu todo. Doutor da Igreja, foi figura grande no universo da ciência do seu tempo, o que lhe valeu ter ficado na história como Alberto de Colónia, Alberto Magno ou Alberto, o Grande. O seu livro “De Mineralibus et Rebus Metallicis”, escrito por volta de 1260 e publicado, pela primeira vez, em Pádua, em 1476 é, em grande parte e ao contrário do que era hábito, expressão das suas próprias investigações. Diz aí que as gemas diferem dos restantes minerais e pedras pelo seu maior conteúdo no “elemento água” (um dos 4 elementos atribuídos a Aristóteles – terra, água, ar e fogo) sendo, por isso, mais claras e transparentes, propondo a respectiva classificação pela cor. Ele tratou como minerais todo o tipo de pedras e os metais. Estudou as propriedades do enxofre e de muitos sais metálicos.

Na viragem da Idade Média para a Moderna, Agricola, médico alemão, de nome Georgius Bauer (1495-1555), reviu as classificações das pedras, elaboradas por Teofrasto, Plínio, o Velho, Avicena e Alberto Magno, enaltecendo os seus autores, distinguindo e designando por “mármores”, o mármore propriamente dito, o basalto antigo e o alabastro, e por “Pedras de construção”, o calcário e o arenito, nomeadamente o Bundsandstein, nome então atribuído ao arenito fino do Triásico germânico. Assinale-se que o basalto antigo (não o resultante das erupções vulcânicas que se podiam presenciar na região mediterrânea), já conhecido na Europa do Norte, não era associado ao vulcanismo. Referido então por “mármore negro”, como lhe chamou Plínio, este basalto era visto, erroneamente, como uma “rocha precipitada no fundo do mar”.

Entretanto, surgia em Itália, em 1596, o termo “granito”, radicado no latim granum, que significa grão, introduzido por Andrea Caesalpino (1519-1603).

Já no século XVIII, num período da história da Europa, em que os textos eruditos e, entre eles, os de cariz científica, eram maioritariamente escritos em latim, o teólogo e mineralogista alemão, John Lukas Woltersdorf (1721-1772), deixou cair o termo “pedra” e, pela primeira vez e, sob a designação latina de lapidis, considerou as rochas como uma classe à parte. Na sua classificação dos produtos do “Reino Mineral”, conhecida por Sistema Woltersdorf, divulgada em 1748, distinguiu sete classes: Terrae (terras), Lapidis (rochas), Salia (sais), Bitumina (betumes ou asfaltos), Semimetala (semimetais), Metala (metais) e Petrifada (“petrificados” ou fósseis, no sentido que hoje damos à palavra).

Da mesma época, a proposta de classificação do alemão Albert Frederic Cronstedt (1722-1765), conhecida por Sistema de Cronstedt (1771), introduziu o termo latino saxus, igualmente com o significado de rocha (saxa, no plural), definido como “o conjunto dos materiais que formam as grandes massas montanhosas”, exemplificados, entre outros, pelo “ofito” (dolerito), o “pórfido” (pórfiro) e o trapp (basalto). Valorizada pelas referências aos chamados “princípios constituintes” (os elementos químicos então possíveis de reconhecer), esta classificação estava ainda longe de abordar a verdadeira natureza das rochas e, assim, compreender os respectivos significados geológicos.

Uma década depois, o sueco Torbern Olof Bergman (1735 -1784), na classificação dos produtos do “Reino Mineral”, conhecida por Sistema de Bergman (1782), considerou nove classes: “ares”, “águas”, “enxofre”, “ácidos”, “alcalis”, “terras”, “substâncias metálicas”, “sais neutros” e “fósseis”.
Na última classe, a dos “fósseis” (no sentido que ainda se dava à palavra, isto é, como se disse atrás, todo o material que se desenterrava ou extraía de dentro da terra, do latim fossile, desenterrado) o autor incluiu as “pedras simples” (os minerais), as “pedras compostas” (as rochas) e os fósseis (no sentido que hoje lhe damos). Entre as “pedras compostas” distinguia as “pedras compostas cristalizadas”, onde se arrumavam granitos e gnaisses, as “pedras compostas empastadas cristalizadas”, representadas pelos “pórfidos” (pórfiros), as “pedras vulcânicas”, a que pertenciam as “lavas compactas e porosas”, os basaltos, o “rapilo” (lapili), a pozolana, a pedra-pomes, o vidro vulcânico (obsidiana ou Pechstein), as brechas vulcânicas, e, ainda, as “pedras compostas não cristalizadas”, como conglomerados e brechas de natureza sedimentar. Dado o carácter homogéneo, tanto o vidro vulcânico como o mármore, o quartzito, o calcário e alguns xistos não figuravam entre as rochas, mas sim entre os minerais. O livro onde Bergman divulgou esta sua classificação foi traduzido para português, em 1799, por Andrade Machado, com o título “Manual do Mineralógico ou Esboço do Reino Mineral”.

Até meados do século XIX o estudo das rochas limitava-se: à identificação, dos respectivos minerais, à vista desarmada ou com o auxílio de uma simples lente de aumentar 10 vezes ou pouco mais; à descrição da textura, ou seja, o arranjo espacial dos respectivos minerais, tendo em conta as suas dimensões, forma e orientação; e à quantificação rudimentar dos seus constituintes químicos, na medida dos conhecimentos de então.

Em 1858, o geólogo inglês Henry Clifton Sorby (1826 -1908) abriu as portas ao estudo das rochas em termos modernos, pela adaptação, ao microscópio óptico, de um dispositivo (nicol) que permite operar com luz polarizada. O microscópio assim equipado passou a ser apelidado de polarizante ou petrográfico. Nasce aí a petrografia, a disciplina científica que visa a identificação dos minerais constituintes das rochas e a caracterização das respectivas texturas com vista às suas descrição e classificação no contexto da imensa variedade de tipos rochosos. Foi a petrografia que permitiu o estudo das rochas com dimensão de ciência, a que foi dado o nome de petrologia, um tema a desenvolver mais adiante.


A.M. GALOPIM DE CARVALHO