Procurar textos
 
 

 

 

 







JOSÉ MANUEL ANES
ENTREVISTADO POR JÚLIO SEQUEIRA*
 

Doze anos após a sua fundação, o que é a Grande Loja Regular de Portugal? Qual é a sua implantação no território nacional?

 

A Grande Loja Regular de Portugal (GLRP) foi criada, em Junho de 1991, pela Grande Loja Nacional Francesa (GLNF), numa cerimónia realizada no Hotel Palace do Estoril, em que foi instalado, como Grão Mestre, Fernando Teixeira. Dois anos antes, tinha sido criado o Distrito português da GLNF, que agrupava três Lojas portuguesas. Por altura da sua criação, a GLRP contava com cerca de 150 maçons, alguns dos quais tinham saído do Grande Oriente Lusitano (GOL) por desejarem recuperar, para Portugal, a Regularidade maçónica que o GOL havia perdido no começo do século XX.

Em 1996 - quando a GLRP já tinha cerca de 600 membros - é eleito o segundo Grão Mestre da GLRP, Luís Nandin de Carvalho. Pouco depois, ocorre uma cisão de cerca de 200 maçons que decidem, contrariamente às regras maçónicas, não seguir o GM eleito e apoderar-se da sede. Os cerca de 400 maçons que seguem o GM Nandin de Carvalho são obrigados a mudar a denominação profana da Obediência para Grande Loja Legal de Portugal, mantendo, no entanto, a designação iniciática de GLRP. O GM Nandin de Carvalho e a sua Obediência (denominada GLLP/GLRP) vêem confirmados os reconhecimentos, por parte da Maçonaria Universal, pela Grande Loja Unida de Inglaterra (1997) - que passa a denominar a GLLP/GLRP como a GLRP/Legal -, na Conferência dos GMs da América do Norte (Hawai, 1997) e na Conferência Maçónica de Santiago do Chile (1997).

Em finais de 2000, sou eleito 3º GM da GLRP, contando a Obediência, nessa altura, pouco mais de 700 membros. Hoje já atingimos cerca de 50 Lojas activas (espalhadas por todo o País), num total de 900 membros de todas a posições sociais, filosóficas, religiosas e políticas, respeitando, no entanto, as normas da Regularidade, e mantemos e ampliámos as nossas relações internacionais no Universo das Obediências maçónicas regulares.

Podemos dizer que a GLRP/GLLP é uma Obediência regular - i.e. trabalha à Glória do Grande Arquitecto do Universo - que promove, sob a égide dos princípios de Liberdade, Fraternidade, Solidariedade, Igualdade (de oportunidades, não igualitarismo) e Tolerância activa, através da sua técnica iniciática, a melhoria progressiva dos seus membros e, através da sua influência, a melhoria da Sociedade. De facto, é grande a nossa implantação no território nacional - de Norte a Sul, do litoral ao interior - e, para além dessa presença influente, quer a nível local quer regional, a nossa Grande Loja tem ainda uma boa influência a nível nacional. Isto independentemente das cores políticas do Governo que estiver no Poder, pois somos constituídos por maçons de todos os horizontes políticos (desde que crentes num Princípio espiritual superior).

 
Este crescimento tem sido quantitativo e qualitativo. A Maçonaria é uma elite?
 

É evidente que um crescimento como aquele que estamos a viver é impressionante do ponto de vista quantitativo (cerca de 10% ao ano). Mas, em Maçonaria, é mais importante a qualidade do que a quantidade. A quantidade é importante para criar condições de presença nas mais diversas áreas da actividade nacional e para cobrirmos o nosso território. Mas a qualidade é a questão decisiva, pois, se não tivermos bons maçons, bem formados nos princípios da Ordem, não poderemos fazer a boa Obra que o Homem e a Sociedade exigem de nós. Quanto à outra questão, a Maçonaria é de facto uma elite, não económica ou social, mas espiritual. Mas é uma elite em todas as profissões, mesmo as mais humildes. Lembro-me, por exemplo, de que na minha Loja tive um Irmão que era guarda-nocturno. Os maçons devem estar, em todas as profissões, entre os melhores; ou, pelo menos, dar o melhor de si na sua profissão. Além disso, o maçon pertence a uma elite ética e espiritual, devendo, através do esforço pessoal e do sacrifício - palavra tão "maldita" no mundo actual -, estar em progresso contínuo, quer a nível individual quer a nível social. O maçon tem a obrigação moral de ser melhor do que o profano que ele era quando bateu à nossa porta, em busca da iniciação maçónica.

Falas em Lojas. Como defines uma Loja, na sua constituição e objectivos?
 

A Loja é o núcleo tradicional do convívio e do trabalho maçónico. Ela é o centro da Maçonaria, pois só a Loja inicia os Aprendizes, eleva-os a Companheiros e exalta-os a Mestres. A Grande Loja não deve ter essa função, embora seja a Grande Loja que consagra as Lojas e lhes dá essa capacidade iniciática. O trabalho maçónico é um trabalho colectivo, embora com profundo respeito pela liberdade individual de cada maçon. É um trabalho colectivo, desde logo, na aprendizagem maçónica, na vivência comum dos símbolos e dos mitos maçónicos. Constitui, também, um trabalho colectivo a aprendizagem da liberdade e da tolerância, pois, particularmente na maçonaria regular (que é formada por homens das mais diversas correntes filosóficas, religiosas e políticas), é preciso aprender a fazer Obra colectiva com maçons que não pensam exactamente como nós (por vezes, muito diferentemente de nós). É fácil trabalharmos com pessoas que pensam como nós, onde não há um esforço de abertura ao Outro e de compreensão do Outro. Além disso, o trabalho colectivo é uma obra de solidariedade fraterna, entre os Irmãos da Loja, entre estes e os outros Irmãos da Grande Loja e das Grandes Lojas do mundo, e também (e começamos muitas vezes por aí) com os outros Homens não maçons que estão em dificuldade e precisam do nosso auxílio.

Neste sentido, a Maçonaria, para além de uma escola espiritual, é também uma escola de cidadania, i.e, de tolerância, de liberdade e de solidariedade fraterna com todos os Homens.

 
O que é necessário para um profano ser iniciado numa Loja?
 

Em primeiro lugar, é preciso que ele tenha vocação maçónica, ou seja, que, para além de uma identificação com os grandes valores éticos da Maçonaria regular, tenha vocação para o simbolismo e para o ritual. É evidente que nem todos os maçons regulares têm o mesmo tipo de vocação, uns trabalham na área social, outros na intelectual, etc., etc.. Mas todos têm de exercer um mínimo de convivência com os símbolos e os rituais da Maçonaria.

Para isto é necessário que o profano bata à nossa porta, isto é, que manifeste o seu interesse em entrar para a Maçonaria regular, isto no caso de não ter sido ainda cooptado por algum ou alguns maçons. O contacto com a Grande Loja leva a um conjunto de conversas, entrevistas ou inquéritos que poderão e deverão avaliar se o profano está em condições de entrar para a Maçonaria. É evidente que, segundo a tradição, só pode ser maçon aquele que for "livre e de bons costumes", o que quer dizer, nos nossos dias, que deve ter meios de sustento, para si e para a sua família; que não deve ter problemas com a Justiça, mas sim um comportamento ético íntegro. Depois do Inquérito, é feita a votação, na Loja respectiva, uma vez que os Padrinhos e os Inquiridores tenham apresentado os seus relatórios; depois, no caso de uma votação positiva, é marcado o dia da Iniciação. Para além das condições éticas, vocacionais e espirituais, é preciso também que o futuro maçon possa satisfazer as suas obrigações materiais para com a Ordem (jóias, quotizações, etc.), para que ela possa ter condições materiais para exercer a sua acção.

 
 
*Grande Oficial Bibliotecário e Arquivista e responsável pela webpage da GLLP/GLLP, em www. gllp.pt
 
O TriploV agradece a Júlio Sequeira, como representante da Hugin Editores, a autorização para publicar esta entrevista.