A reversão das doenças neurodegenerativas

EMANUEL DIMAS DE MELO PIMENTA


A Reversão das Doenças Neurodegenerativas
breves reflexões sobre um livro de Dale Bredesen


Há, de facto, duas coisas, ciência e opinião:
a primeira implica conhecimento,
a última implica a ignorância. 

Hipócrates (460 a.C. – 370 a.C.) 

O Universo é apreendido de forma não-simultânea.
Buckminster Fuller

 

em memória de Leon Adoni
para Ivone Mirpuri e Alberto Berger

 

Pode-se perguntar por que um arquiteto, urbanista, compositor de música erudita contemporânea, fotógrafo e escritor se dá ao trabalho de analisar a obra de um médico neurologista.

Desde meados da década de 1980 tenho estudado neurologia e, mais particularmente, em relação à cognição do espaço-tempo. Em outras palavras, desde há cerca de trinta e cinco anos tenho me dedicado à neuroestética, à compreensão dos fenómenos de neuroplasticidade. Àquela época, publicar um artigo sobre isso era uma tarefa quase impossível. As pessoas simplesmente não acreditavam que tal pudesse existir. O primeiro artigo que publiquei sobre isso, que tinha como título Padrões Sinápticos, foi publicado em 1987 pelo jornal Symmetry and Culture, dirigido pelo Professor Gyorgy Darvas, órgão do Instituto Symmetrion, ligado à Academia de Ciências da Hungria. Mesmo assim, não foi fácil. O texto tinha de ser avaliado e aprovado por pares, peer review, e houve dificuldade para que os avaliadores – que nunca cheguei a saber quem eram – compreendessem o conceito do meu texto: sistemas lógicos que caracterizam a constituição de um ambiente implicam um particular desenho sináptico que, por sua vez, condiciona a formação de grupos neuronais especializados.

Para além disso, há sempre a desconfiança acerca de alguém, como eu, com uma formação muito diferente das determinadas pela medicina ou pela biologia, escrevendo sobre algo relacionado à neurologia.

Ainda nos anos 1980 entrei em contato com Gerald Edelman, prémio Nobel de Medicina em 1972 pelo seu trabalho no campo da imunologia. Depois do Nobel, Edelman passou a se dedicar à neurologia e realizou uma obra formidável, especialmente em relação à formação de conjuntos neuronais especializados a partir dos princípios da Seleção Natural. Gerald Edelman trabalhava sobre princípios essenciais da neuroplasticidade.

Ele me enviou artigos seus e indicações bibliográficas, orientando meus passos. Como um daqueles misteriosos casos do destino, apenas viríamos a nos conhecer pessoalmente em 2007, sete anos antes da sua morte, na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. Conversamos ao longo de vários minutos, no mesmo lugar onde em 1989, quase vinte anos antes, eu tinha conhecido pessoalmente Karl Popper, ainda que de forma muito breve. Naquela conversa percebi que Edelman era uma pessoa extremamente tímida, alguém quase “fora do mundo”, simpático mas frágil. Como se um gesto mais exuberante da outra parte o pudesse levar a uma imediata fuga para o seu mundo interior, interrompendo a ligação.

Dos anos 1980 para cá tenho publicado muitos artigos e livros sobre esse tema – que tem sido muito da base dos meus trabalhos em áreas aparentemente muito distantes como arquitetura, urbanismo ou música.

Uma das minhas atenções ao longo dos últimos anos tem sido dedicada a questões de neurodegeneração – sem que eu tenha qualquer tipo de conhecimento especializado nessa área. Ao contrário. Não sou médico e as doenças neurodegenerativas constituem um universo de extrema complexidade. Mas, trata-se de um tema de inegável importância. Pesquisas indicam que a cada sessenta e cinco segundos surge um novo caso diagnosticado de Alzheimer’s nos Estados Unidos. É estimado que cerca de 10% das pessoas com mais de sessenta e cinco anos de idade manifestam demência e Alzheimer’s. São dados colhidos junto ao 2010 U.S. Census e o Chicago Health and Aging Project (CHAP).

Conheci o livro de Dale Bredesen, The End of Alzheimer’s: The First Program to Prevent and Reverse Cognitive Decline, no final de 2018, alguns meses depois da sua publicação.

Tinha uma lista enorme de livros para ler em função dos meus trabalhos, e levou algum tempo para que eu pudesse me dedicar a uma leitura atenta da obra de Bredesen.

Normalmente não faço resenhas de livros. São extremamente raras as vezes que o fiz. Mas, imediatamente compreendi que o deveria fazer em relação a esse livro. Procurar alinhavar e sintetizar as ideias de forma a constituir um texto facilmente compreensível a todos me pareceu muito importante, dada a relevância dos trabalhos de Bredesen.

O livro de Dale Bredesen é de fácil leitura, lúcido e coerente. Isso tornou ainda maior o meu desafio.

A sua abordagem médica, profundamente mergulhada na permanente investigação científica, merece algumas considerações preliminares de natureza histórica.

Há, grosso modo, dois tipos essenciais de medicina: aquela que eu chamo de “bombeiros”, e a chamada medicina preventiva. A primeira trata de curar desastres como doenças graves e tem como objectivo encontrar uma solução para um mal instalado. A segunda procura compreender o metabolismo, os processos de funcionamento orgânico, particularmente na bioquímica, estabelecendo estratégias de prevenção para evitar o “incêndio”.

Por mais óbvio que isso possa nos parecer, essa divisão na medicina ocidental tem uma história que não é propriamente pacífica.

Curiosamente, ambas abordagens médicas tiveram na figura do médico Alemão Christian Friedrich Samuel Hahnemann, que viveu entre 1755 e 1843,  um mesmo ponto fundamental de referência.

Hahnemann é considerado o pai da homeopatia, que indica a ideia de “curar com o mesmo agente perturbador” e que remonta às práticas de Hipócrates e de Galeno. E seria o mesmo Hahnemann o responsável pela criação da palavra “alopatia” em 1810, que indica a ideia de “curar com um agente diferente daquele que provoca a doença”. A primeira, por muitos considerada charlatanismo até mesmo no século XXI, tem estado presente na prática médica ao longo de séculos e visa a compreensão do organismo como um complexo integrado ao ambiente; o segundo nasceu de uma lógica departamentalizadora e literária do séculos XIX, tomando o organismo como uma espécie de mecanismo que, através de cirurgias ou de substâncias químicas, possa ser “curado”, “consertado”, tendo destacado, separado, extirpado o elemento perturbador.

A abordagem médica integradora do organismo esteve na base das ideias de investigadores ao longo do século XX que defendiam poder se encontrar a cura de muitas enfermidades através da alimentação e de suplementos vitamínicos – princípio defendido por Hipócrates na Antiguidade Clássica a quem é atribuído, sem confirmação literária, o ditado: “Deixa que o alimento seja a tua medicina, e que a medicina seja o teu alimento”.

O mais célebre desses investigadores do século XX foi, sem dúvida, Linnus Pauling que viveu entre 1901 e 1994, duas vezes prémio Nobel, e que cunhou o termo “ortomolecular” em 1967, etimologicamente com o sentido de “correção da molécula”, que indicava a ideia do tratamento de doenças através de uma operação molecular no organismo particularmente com a suplementação de nutrientes e vitaminas.

A resistência a essa nova abordagem da medicina, de caráter francamente preventivo, foi violenta, especialmente pelos defensores radicais da medicina alopata e da indústria farmacêutica.

O médico, bioquímico e psiquiatra Canadiano Abram Hoffer, que viveu entre 1917 e 2009, publicaria em 1987 um artigo com o título Is There a Conspiracy? onde afirmava: “Não existe uma conspiração liderada e dirigida por uma única pessoa ou por uma única organização. Não existe uma máfia na psiquiatria. No entanto, há uma conspiração liderada e dirigida por um grande número de profissionais e suas associações que têm o objectivo comum de proteger sua ortodoxia duramente alcançada, não importando o custo para os seus colegas oponentes ou para os seus pacientes”.

Amplamente utilizada em todo o mundo, a medicina ortomolecular ainda é considerada controversa pelos governos de alguns países. O Conselho Federal de Medicina do Brasil, por exemplo, ainda considera que a medicina ortomolecular não é uma especialidade médica, embora haja milhares de médicos que a utilizam com grande sucesso, facto que é indicado pelo crescente número de adeptos. E a Asociación Española de Dietistas-Nutricionistas a considera “pseudocientífica, enganosa, fraudulenta e potencialmente perigosa”!

Chega a ser incompreensível uma tal atitude de exclusão quando, até para um leigo absoluto, é muito fácil de perceber que alimentos e vitaminas nada mais são que elementos químicos processados pelos nossos corpos e que estamos permanentemente interagindo com o nosso meio ambiente.

Uma abordagem compreensiva de ambas as medicinas tornou possível o surgimento de uma medicina que tanto pode fazer uso dos elementos químicos produzidos pela indústria farmacêutica ou de cirurgias como também da suplementação nutricional nas suas mais diversas formas e na alteração comportamental.

Leon Adoni, médico Brasileiro, querido amigo falecido nos anos 2000, já tinha essa abordagem médica integradora quando o conheci em 1981 – pouco mais de dez anos depois da criação do termo “ortomolecular” por Linnus Pauling.

Esta breve leitura do livro de Dale Bredesen, The End of Alzheimer’s: The First Program to Prevent and Reverse Cognitive Decline, é feito em memória de Leon Adoni e é dedicado a Ivone Mirpuri, minha médica em Lisboa, Portugal, e a Alberto Berger, neurologista da família, em São Paulo, Brasil. Ambos são incansáveis investigadores a quem muito admiro e estimo. Berger trabalhou com o genial neurologista, prémio Nobel, Eric Kandel que dizia: “A biologia da mente liga as ciências – orientadas para o mundo natural – e as humanidades – orientadas para o significado da experiência humana”, revelando muito da abordagem dessa nova medicina.

O que é descrito neste artigo, especialmente no que se refere a dosagens de suplementação ou de medicação, não está obrigatoriamente relacionado aos programas de tratamento desenvolvidos por Ivone Mirpuri, por Alberto Berger ou por Leon Adoni, embora, sob o meu ponto de vista, haja claras identidades entre os seus métodos e os de Dale Bredesen.

Por outro lado, eventuais equívocos e erros são da minha única e exclusiva responsabilidade, pelos quais peço, desde já, as minhas sinceras desculpas.

Formado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia e pela Duke University, Dale Bredesen é médico neurologista, internacionalmente reconhecido como um especialista nos mecanismos de doenças neurodegenerativas. Foi Residente Chefe em Neurologia na Universidade da Califórnia, San Francisco (UCSF), antes de ingressar no laboratório do Prémio Nobel Stanley Prusiner, também na UCSF, como NIH Postdoctoral Fellow. Ocupou cargos universitários na UCSF, UCLA e na Universidade da Califórnia, em San Diego. Bredesen também dirigiu o Programa de Envelhecimento no Burnham Institute antes de ir para o Buck Institute For Age Research em 1998 como presidente fundador e CEO. É membro do Conselho Consultivo Nacional sobre o Envelhecimento, da Sociedade de Neurociências e da Sociedade Americana de Bioquímica e Biologia Molecular. É diretor do Programa da Doença de Alzheimer na UCLA em Los Angeles.

No livro, Bredesen nos conta que a doença que conhecemos como Alzheimer nada mais é que uma resposta de proteção a, basicamente, três diferentes campos de ameaças: inflamação, níveis de nutrientes abaixo do desejado, e substâncias tóxicas.

Assim como outras doenças neurodegenerativas, o Alzheimer acontece quando o cérebro responde corretamente a certas ameaças. Mas, quando essas ameaças se tornam crónicas, os mecanismos de proteção do cérebro passam a destruir o sistema neuronal.

Esses três processos-ameaça são caracterizados por:

  1. inflamação – por infecção, dieta ou outras causas. A inflamação pode ser causada por infecções, por proteínas danificadas de açúcar, por gorduras saturadas (trans) ou por agentes estranhos quebrando o processo de auto-regulação corporal.
  2. diminuição de nutrientes importantes, hormónios, e outras moléculas de suporte do funcionamento cerebral.
  3. substâncias tóxicas, como metais ou biotoxinas – venenos produzidos por micróbios tais como mofo.

 

A sobrevivência do neurónio acontece em função de uma família de proteínas de ligação (iônica) chamados neurotrofinas. As neurotrofinas dão ordens para o neurónio não morrer. As células neuronais, por sua vez, produzem o receptor das neurotrofinas (p75NTR). Dale descobriu que quando o receptor está sozinho, sem o ligante neurotrófico, ele desencadeia um processo de morte celular. Assim, o receptor “inactivo” desencadeia, quando isolado da neurotrofina, o suicídio celular.

A tese é: as doenças neurodegenerativas são consequência da redução de neurotróficos, conduzindo a uma grande onda de apoptose, muito maior que a neurogénese.

Mais de vinte e um tipos de receptores de neurotrofinas já foram identificados.

O que faz com que, num determinado cenário, deixe de haver neurotrofinas? Hipótese de Dale: haveria uma anti-trofina (como uma espécie de antimatéria) que eliminaria as neurotrofinas, deixando os p75NTR sem os ligantes e, portanto, desencadeando a ordem de morte celular.

Para ele, as placas beta-amilóide são exatamente essa anti-trofina.

Como surgem as placas beta-amilóide: os neurónios produzem APP (proteína amilóide precursora), que é também um receptor, estando presente particularmente próxima das sinapses. As APP são proteínas em membrana integral compostas por 695 aminoácidos granulares. Quando as APP são produzidas pelos neurónios, elas são “quebradas” por proteases: enzimas que “cortam” aquele encadeamento de aminoácidos granulares.

As proteínas APP podem ser “quebradas” em três lugares ou apenas em um. Quando são quebradas em três, produzem quatro peptídeos (moléculas formadas por dois ou mais aminoácidos): sAPPb (APP beta solúvel), Jcasp, C31 e as chamadas placas beta-amilóide. Quando isso acontece, as neurotrofinas desaparecem, e há o desencadeamento de uma crescente onda de apoptose. Nesse processo surge um emaranhado fibroso dentro da célula, condenando-a.

Quando as APP são quebradas em apenas um lugar, são produzidos dois peptídeos: sAPPa e aCTF. Então, as neurotrofinas são preservadas e, portanto, as células não recebem a ordem de suicídio. Consequentemente, não há o emaranhado fibroso no interior do neurónio.

O equilíbrio desse processo é vital para a boa saúde do cérebro.

A morte celular programada garante a revitalização do sistema. Mas a questão essencial é a escala – elemento por vezes pouco compreendido por médicos em geral. A partir de uma determinada escala, a apoptose se transforma em necrose.

Mas, o quê produz essa diferença na quebra molecular (quebra em três pontos ou em apenas um)?

Se a APP recebe uma proteína chamada netrin-1 – palavra surgida do sânscrito netr que significa “aquele que guia” – ela é “cortada” apenas num único ponto, gerando os dois peptídeos: sAPPa e aCTF e mantendo, assim, a sobrevivência neuronal. A molécula netrin-1 está presente no espaço intercelular.

Mas, se ela recebe uma molécula beta-amilóide, a APP é cortada em três pontos, desencadeando a morte celular e produzindo mais beta-amilóide num processo de crescimento explosivo em retroalimentação – pois o corte em três partes produz mais placas beta-amilóide.

As placas beta-amilóide são em princípio boas para o cérebro e têm a função de proteger os neurónios de quadros inflamatórios, de metais tóxicos ou de toxinas produzidas por microorganismos como o mofo.

Nas suas experiências, Dale descobriu que essa reação das APP nada mais é que um comportamento de economia. Quando as APP estão num ambiente com nutrientes adequados, é produzida a netrin-1 em quantidade suficiente, e as células continuam saudáveis. Mas, quando há falta desses nutrientes, as APP reduzem o sistema, através das placas beta-amilóide já existentes e das criadas, desencadeando uma simplificação do complexo neuronal.

As doenças neurodegenrativas são uma aceleração do processo de apoptose. Diante da ameaça, o cérebro acelera a apoptose de forma a regenerar mais rapidamente os tecidos afetados, com novas células. Mas, quando isso é crônico, a apoptose contínua se transforma em necrose (não há tempo para a regeneração).

Também nas suas experiências, Dale descobriu que esse complexo sistema que possibilita a produção de netrin-1 está baseado em quantidades suficientes de estrogénio e de testosterona, de hormónios da tireóide e de insulina, de SirT1 (resveratrol, presente no vinho tinto), da vitamina D, e numa menor quantidade da molécula inflamatória NF-kB, para além de outras substâncias.

Trata-se, portanto, de um processo multifactorial.

Conforme envelhecemos, as substâncias necessárias para a manutenção de boas condições de memória e cognição (geradoras do netrin-1) vão se tornando mais escassas (nutrientes e hormónios diminuindo, tóxicos aumentando). Então, torna-se mais presente a divisão das ATT em quatro peptídeos, acelerando a apoptose.

Dale identificou 36 elementos essenciais nesse processo e desenvolveu um método para restabelecer a produção de netrin-1. Consequentemente, revertendo as doenças neurodegenerativas, incluindo o Alzheimer’s.

Também identificou que a presença da apolipoproteína E 4 – ApoE 4 – proteína envolvida no metabolismo das gorduras, destrói o gene que produz a molécula SirT1 que é responsável pela longevidade celular (resveratrol etc.), e ativa a molécula inflamatória NF-kB. A presença de ApoE 4 não está apenas relacionada às doenças neurodegenerativas, mas também às cardiovasculares.

 

Dos três processos, Dale identificou os seguintes indicadores laboratoriais:

  1. O processo inflamatório é indicado por:
  2. a) aumento da proteína C-reativa no sangue. O nível deve ser abaixo de 0,9 mg/dl.
  3. b) diminuição da albumina. A razão entre albumina e globulina deve ser pelo menos de 1,8.
  4. d) aumento da interleucina 6. TNFa deve estar abaixo de 6 ng/ml.
  5. e) turbulências metabólicas e hormonais, como resistência à insulina (ver abaixo).

 

  1. O declínio e diminuição de nutrientes importantes, hormónios, e outras moléculas de suporte do funcionamento cerebral, é indicado por:
  2. a) diminuição dos níveis de hormónios da tireóide, adrenais, cortisol, estrogénio, progesterona, testosterona e pregnenolone.

Tireóide – a temperatura corporal de manhã, ao acordar, ainda deitado, deve ser de 36,5º. Se estiver abaixo, a tireóide está funcionando mal. Níveis: TSH abaixo de 2 microIU/ml; T3 livre entre 3,2 e 4,2 ng/ml; T3 reverso menor que 20 ng/dl.

Testosterona – não apenas é fundamental para o sistema cardiovascular, como suporta a sobrevivência dos neurónios. É muito importante fazer modulação hormonal com hormónios bio-idênticos.

A progesterona é um precursor da testosterona. Quando os níveis de testosterona estão baixos nos homens, normalmente também estão os da progesterona. A progesterona tem um efeito relaxante. A diminuição de progesterona está associada a um aumento da ansiedade e sono ruim.

Elevados níveis de cortisol (stress) danificam neurónios, especialmente no hipocampo. Níveis: (manhã) entre 10 e 18 mcg/dl.

Pregnenolone é o hormónio esteróide mestre a partir do qual são derivados o estradiol, a testosterona, o cortisol e o DHEA. Em momentos de stress, o pregnenolone produz um excesso de cortisol, produzindo menos hormónios sexuais, fundamentais para o coração e para o cérebro. Pregnenolone suporta a memória e é protetor neuronal. Os níveis de pregnenolone devem estar entre 50 e 100 ng/dl; e do DHEA (sulfato) devem ser entre 350 e 430 mcg/dl para mulheres, e entre 400 e 500 mcg/dl para homens.

  1. b) níveis baixos de vitamina D. A vitamina D entra pela corrente sanguínea e, através dos receptores de vitamina D (VDR), também conhecidos como NR1I1, penetra no núcleo celular, ativando mais de 900 genes. Alguns conjuntos desses genes afetam positivamente o metabolismo dos ossos, outros eliminam os processos de neoplasia, alguns reduzem processos inflamatórios e outros são fundamentais para a manutenção das sinapses. Estudos mostram ainda que a vitamina D elimina o emaranhado fibroso no interior das células, revertendo o processo de apoptose. Muitas pessoas se perguntam como calcular a quantidade necessária de vitamina D3 como suplemento: considere o seu nível atual (20, por exemplo), tire esse valor da meta que quer alcançar (70, por exemplo), isso resultará em 50; multiplique esse valor por 100, e terá a dose necessária: 5000 UI. Os níveis devem estar entre 50 e 100 ng/l.
  2. c) resistência à insulina. A resistência à insulina é um dos indicadores mais importantes de doenças neurodegenerativas. Quando comemos alimentos com alto índice glicêmico, nossos corpos produzem uma grande quantidade de insulina com o objectivo de manter baixos os níveis de glicose no organismo, porque a glicose é tóxica em quantidades elevadas. Mas, quando a produção de insulina é contínua, as células vão se tornando insensíveis à sua presença, assim os níveis de glicose não param de aumentar, produzindo graves danos celulares. Pior, depois de ter acontecido o processamento, o corpo degrada a insulina através, entre outras enzimas, da IDE (enzima degradadora de insulina). A IDE também degrada as placas beta-amilóide. Se ela estiver sendo usada preferencialmente para eliminar altos níveis de insulina, deixará de atuar sobre as placas beta-amilóide, que se multiplicarão, desencadeando o crescimento exponencial da apoptose neuronal. Os níveis de insulina (jejum) devem ser: menor ou igual a 4,5 microIU/ml; de hemoglobina A1c menor que 5.6%; e glicose em jejum entre 70 e 90 mg/dl.
  3. d) níveis de glicose cronicamente altos. A canela é um excelente meio de melhorar o controle glicêmico. O picolinato de cromo (de 400 mcg a 1 mg por dia) ajuda a baixar os níveis de glicose.
  4. e) índices altos de homocisteína (factor que também pode estar presente no tipo 1). A homocisteína é gerada a partir da ingestão de alimentos ricos em metionina, como nozes, carne de vaca, carne de carneiro, queijos, perú, porco, peixes, frutos do mar, soja, ovos, laticínios em geral ou feijões. A metionina é um dos aminoácidos componentes das proteínas. Ela é convertida em homocisteína, também um aminoácido que, por sua vez, é reconvertida em metionina e cisteína, através das vitaminas B12, B6, B9 (ácido fólico) e da betaína. Se a pessoa não tiver essas substâncias em quantidades suficientes, a homocisteína não pode ser reconvertida e passa a afetar negativamente os vasos sanguíneos e o cérebro. O nível de homocisteína deve ser sempre abaixo de 7 micromoles. Níveis para vitamina B12 = entre 500 e 1500 ng/ml; ácido fólico = entre 10 e 25 ng/ml; B6 = entre 60 e 100 mcg/l.

 

  1. Toxinas, é indicado por:
  2. a) atrofia de vários setores neuronais, a atrofia do hipocampo pode ser relevante (exames de neuroimagem).
  3. b) muitas vezes neuro-inflamação e vazamento neuro-vascular.
  4. c) baixos níveis de zinco, altos níveis de cobre (deveria ser 1:1). O zinco melhora a cognição. Devido ao facto da sua constituição atômica ser muito estável, o zinco não produz radicais livres. A deficiência de zinco aumenta os níveis de autoimunidade. Trata-se de um facto inflamatório importante, porque a sua redução implica um aumento de danos oxidativos e envelhecimento.
  5. d) altos níveis de cortisol, de T3 reverso, baixos níveis de T3 livre, de pregnenolone, estradiol, testosterona etc.
  6. e) baixos níveis de selênio e de glutationa. Baixos níveis de glutationa contribuem para um quadro inflamatório, toxicidade, e diminuição de suporte às sinapses. Selênio é fundamental na regeneração da glutationa. Níveis ideais: selênio – entre 110 e 150 ng/ml; glutationa (GSH) – entre 5 e 5,5 micromoles.
  7. f) altos índices de toxinas no sangue.
  8. g) elevados níveis de mercúrio na urina.

 

Em todo esse processo há alguns elementos importantes.

O sono altera a anatomia dos cérebros, permitindo uma auto-limpeza. O espaço entre os neurónios é expandido durante o sono, permitindo que mais ions de cálcio e de magnésio fluam livremente. Acredita-se que a flutuação desses ions é responsável pela “limpeza” de detritos, incluindo as placas beta-amilóide. Durante o sono, formam-se menos placas beta-amilóide. Durante a noite, pelo facto de não comermos, há um aumento da sensibilidade insulínica. Ainda durante a noite, realizamos um processo de autofagia, reciclando componentes neuronais como mitocôndrias danificadas ou proteínas anormalmente configuradas. O processo de autofagia e os seus benefícios para a saúde foi descoberto por Yoshinori Ohsumi, que recebeu o prémio Nobel de Medicina em 2016 por essa descoberta. Para além disso, os hormónios do crescimento aumentam durante o sono, reparando as células. 75% de pessoas com problemas de sono jamais foram diagnosticadas com tais dificuldades.

Outra questão, desta vez bastante polémica, está relacionada aos níveis de colesterol no sangue. As estatinas – classe de medicamentos usados para a redução dos níveis de colesterol – podem afetar a produção de hormónios quando aqueles níveis são muito baixos. Reduzindo os níveis de colesterol total para 150 ou menos, por exemplo, há um aumento do risco de atrofia cerebral e passam a ser produzidos os quatro peptídeos responsáveis pela aceleração da apoptose: sAPPb, Jcasp, C31 e as placas beta-amilóide. Taxas muito baixas de colesterol total estão associadas com declínio cognitivo. Mas, o LDL deve estar abaixo de 60 U/l.

O cardiologista Ford Brewer parece ter descoberto uma forma de reversão das placas arteriais com o uso de mínimas doses de estatinas associadas à niacina. Também conhecida como vitamina B3, a niacina reduz o LDL, aumenta o HDL e diminui os triglicérides. Para evitar o uso das estatinas, pode-se optar por Armolipid. Trata-se de um produto natural, suplemento alimentar, composto por policosanol (mistura de álcoois de cadeia longa extraídos de ceras vegetais), levedura de arroz vermelho, berberina, co-enzima Q10, ácido fólico e astaxantina. Parece que a combinação resulta. Esta referência não está presente na obra de Dale Bredesen, mas me pareceu relevante que aqui fosse incluída.

A Vitamina B1 (tiamina) é crítica para a formação de memória. Níveis de serum tiamina devem estar entre 20 e 30 nmol/l.

A Vitamina E é importante para a proteção da membrana celular. Os níveis (medidos em alfa-tocoferol) devem estar entre 12 e 20 mcg/ml.

Mas, a permeabilidade intestinal é essencial! Basicamente, as células no nosso trato intestinal estão bastante próximas umas das outras. Isso faz com que os alimentos que estão sendo processados e as bactérias da microbiota permaneçam dentro dos intestinos. Moléculas resultantes da digestão, tais como aminoácidos que “quebram” as proteínas, são transportados para a corrente sanguínea. Assim, a escala de “abertura” para integração com o corpo é essencial. Se há ferimentos nas paredes dos intestinos, ou se, por alguma razão, as células estão mais “soltas”, passa a haver a penetração de toxinas e de bactérias no organismo. Como reação a essa entrada, o corpo produz um quadro inflamatório contínuo, que é um dos desencadeadores dos problemas neurodegenerativos. Dois factores estão entre os mais comuns no desequilíbrio da permeabilidade intestinal: o glúten e a lactose (açúcar do leite). Com a idade, produzimos menos ácido gástrico, digerindo de forma menos eficiente aqueles elementos (prejudicando a absorção de zinco, magnésio e vitamina B12). A partir dos 30 – 40 anos de idade, muitas pessoas deixam de produzir lactase, a enzima que dissolve a lactose. Quando isso acontece, gradualmente, forma-se um muco nas paredes dos intestinos que, como reação, abrem os “poros”, isto é: a permeabilidade intestinal é dramaticamente aumentada. O intestino deixa de funcionar como um filtro. A pessoa passa a absorver todo o tipo de toxinas e o corpo entra num estado de inflamação contínua. O glúten, por sua vez, diminui a flora intestinal. Com essa redução, uma das bactérias mais presentes naquele ambiente, a cândida, cresce demasiadamente – porque ela se alimenta de açúcares e vivemos em sociedades viciadas em açúcares. Quando ela cresce para além de uma determinada escala, transforma-se em filamentos, que abrem “feridas” nas paredes intestinais, produzindo um efeito devastador em termos de permeabilidade. Quando se juntam esses dois factores: lactose e glúten, o desastre é evidente.

Outro elemento importante é o Índice de Massa Corporal. Esse índice deve estar entre 18 e 25. Mas, se ele estiver muito alto e a pessoa tiver o hábito de fazer muitos exercícios físicos, a diferença pode ser devida ao peso dos músculos. Então, deve-se confirmar com uma observação mais atenta.

Há outros agentes inflamatórios importantes como doenças das gengivas e a herpes zoster. Neste último caso, pouco há a fazer, porque não há a possibilidade da sua eliminação. Por outro lado, o cuidado higiénico com as gengivas é essencial, também como prevenção das doenças cardiovasculares.

 

Dale Bredesen desenvolveu um método para a prevenção, tratamento e até mesmo para a reversão de doenças neurodegenerativas, que chamou de ReCODE.

Para além de ser multifactorial, o seu método implica uma análise e elaboração de programa específico para cada pessoa.

Ainda assim, há, entre outras, algumas indicações básicas, essenciais:

– fazer jejum intermitente (mínimo de 12 horas), para estabelecer um processo de autofagia. O jejum intermitente conduz a um estado de autofagia, removendo a acumulação de placas beta-amilóide e de diversos outros detritos proteicos danificados.

– cortar o jejum com água e um pouco de limão.

– beber pelo menos 2 litros de água por dia (nunca água destilada).

– tomar chás.

– o café está liberado, dentro das limitações da sensibilidade de cada pessoa.

– sempre que for comer algum hidrato de carbono (farinha), a pessoa deve ingerir fibras antes. Isso faz com que o processo seja retardado beneficiando a digestão dos carboidratos.

– Deve-se comer sempre as frutas (sobremesa) antes do almoço e não depois. O açúcar da fruta é alimento para o cérebro, mas ela é digerida apenas no intestino delgado. Se a pessoa come uma refeição, o alimento ingerido impedirá que a fruta chegue rapidamente ao intestino delgado. Por outro lado, a fruta fermentará, alterando a acidez estomacal, prejudicando assim a digestão do alimento.

– Deve-se eliminar sumos de fruta e refrigerantes. Ambos têm violentas doses de açúcar. O fígado não tem condições de processar quantidades tão grandes de açúcar em tão pouco tempo, e transforma o excedente em gorduras ruins. Por outro lado, ao comermos as frutas, as fibras retardam o processo digestivo dando tempo ao fígado para processar o açúcar ingerido.

– Deve-se eliminar açúcar branco e açúcares em geral.

– Deve-se eliminar adoçantes, com a única exceção da Estévia.

– Deve-se eliminar farinhas com glúten (pães, pasta etc.).

– Deve-se eliminar o sal refinado, e o substituir por sal grosso, sal do Himalaia ou flor do sal, por exemplo.

– Deve-se evitar farinha de arroz.

– Deve-se deixar de comer batatas brancas e arroz branco. Mas, deve-se comer batatas doce.

– Deve-se eliminar as frituras.

– Deve-se comer pelo menos um ovo por dia – rico em pqq, luteína, albumina e lecitina.

– Deve-se usar azeite, óleo de abacate e óleo de coco.

– Deve-se usar sempre, todos os dias se possível, açafrão e pimenta (a pimenta fixa o açafrão).

– Deve-se usar, sempre que possível, coentros, cebolinho, beterraba, brócolis.

– Deve-se ir para a cama sempre mais de três horas após ter terminado o jantar, e é importante dormir oito horas por noite (aproximadamente). É importante fazer extrema atenção à qualidade do sono. Se houver dificuldades, pode-se tomar melatonina – começando com doses pequenas, como 1 mg.

– Deve-se privilegiar os peixes pequenos em detrimento dos grandes (que estão mais contaminados por mercúrio).

– Deve-se fazer exercícios físicos, especialmente aeróbicos, cinco dias por semana, meia hora a quarenta e cinco minutos por dia (a transpiração é importante na eliminação de toxinas).

– Deve-se fazer meditação (combater o stress).

– Não é aconselhado o uso de desodorizantes, especialmente antiperspirantes, contendo elementos tóxicos, como alumínio, parabenos, sulfatos etc.).

– Deve-se fazer muita atenção à saúde dos dentes e gengivas, com pelo menos uma visita anual ao dentista e o uso habitual de fio dental. Infecções nas gengivas – ou gengivas inflamadas – desencadeiam um processo inflamatório contínuo, contribuindo para a destruição dos neurónios.

– Deve-se fazer modulação hormonal (com bio-idênticos).

 

Há, ainda, algumas orientações suplementares características do método elaborado por Dale Bredesen:

– Deve-se diminuir muito a ingestão de hidratos de carbono e aumentar as gorduras boas, tendendo para uma dieta mais cetogênica

– Deve-se diminuir a ingestão de bebidas alcoólicas.

– Deve-se ter em mente que a carne é apenas condimento! (deve-se comer de 50 a 70 gramas por dia, ou cerca de 1 grama de proteína para cada quilo de peso corporal). Para se ter uma ideia da quantidade de proteína uma pessoa está ingerindo numa refeição, 100 gramas de peixe, por exemplo, significam cerca de 22 gramas de proteína. Procurar compensar a ingestão de proteínas de origem animal com as de origem vegetal como feijões, soja (orgânica), ovos ou nozes.

– Fazer jejum intermitente, com pelo menos 12 horas (mínimo) de distância entre o jantar e a próxima refeição. O ideal é eliminar o café da manhã. Depois de 10 horas de uma refeição, o metabolismo inicia um processo de absorção das gorduras acumuladas e de limpeza cerebral.

– Jantar sempre pelo menos 3 horas antes de dormir.

– Fazer as refeições com baixo índice glicémico (menos batatas, arroz, pão).

– Eliminar sumos de fruta.

– Eliminar glúten e lactose.

– Comer muitas plantas desintoxicantes: coentros, couve-flor, brócolis, couves, couve-de-bruxelas, abacate, alcachofra, alho, gengibre, toranja, limões, algas marinhas etc.

– Usar óleos bons como azeite, abacate, nozes etc.

– comer probióticos (os queijos de cabra, ao contrário aos queijos de vaca, são muito ricos em bactérias probióticas e em potássio, com baixo nível de sódio).

 

Dale Bredesen também indica suplementos diários que devem ser adoptados dependendo de uma avaliação médica a cada pessoa. Entre eles, temos:

– Vitamina B1 – 50mg

– Ácido Pantotênico – 100 a 200 mg

– Vitamina C – 1 a 3 gramas

– Vitamina D – 2500 UI (mas pode ir para além de 15000 UI dependendo da condição da pessoa)

– Vitamina MK2-7 – 100 mcg (para quem toma vitamina D)

– Vitamina E – de 400 a 800 UI, se os níveis estiverem abaixo de 13

– Resveratrol, 100 mg (ou bons copos de vinho tinto ao longo de anos, sempre com moderação – minha sugestão)

– Ribossídeo nicotinamida, 100 mg

– Citicolina, 250 mg (crescimento e manutenção sináptico)

– ALCAR (especialmente para quem tem Alzheimer tipo 2)

– Ubiquinol, 100 mg.

– PQQ, pirroloquinolina quinona, 10 a 20 mg (também presente nos ovos)

– Omega-3

– café

– ácido alfa lipóico (anti oxidante)

– manter-se hidratado – mínimo 2 litros de água por dia

 

Numa breve síntese, deve-se eliminar a ingestão de:

– açúcar

– glúten

– laticínios de vaca

– alimentos industriais

– alimentos geneticamente modificados

– álcool (exceção ao vinho, de preferência tinto, com moderação)

– antibióticos (a menos que haja uma urgência)

– anti-inflamatórios

– stress

 

O equilíbrio desses factores, dependendo de cada pessoa, desencadeará um processo dinâmico de reversão das doenças neurogenerativas.

Desde 1989, quando começou as suas pesquisas relacionadas ao ReCODE, Dale Bredesen relata como tratou com sucesso mais de quatrocentas pessoas.

Numa entrevista a Chris Kresser em 2016, Bredesen dizia: “Nós mostramos pela primeira vez que se pode reverter o declínio cognitivo. Naturalmente, há ressalvas sobre como conseguir alcançar rapidamente esse resultado, mas a surpresa – para mim, afinal sou alguém que está no laboratório – foi a de que o trabalho do laboratório realmente converge em muito num modelo de medicina funcional. Não começamos assim, mas é para onde ele convergiu, mostrando de facto que quando olhamos para o que está conduzindo o processo, há uma mudança molecular com dezenas de entradas, e é possível ver conexões diretas entre coisas como o nível de estradiol, as relações entre cobre e zinco e a hsCRP (proteína C-reactiva) e todos os tipos de coisas sobre as quais pensamos na medicina funcional”.


3 de Julho de 2019