venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006

Stella Carbono M.'. M.'.C.'.

TRABALHOS DE UMA LENHADORA

TERCEIRA PARTE: ARTE

Arboreto

 

BRITIANDE - PORTO

2010

 Para a Isaura Baptista Guedes
que leva os primos e amigos para a sua quinta
e lhes dá a mamar das árvores

ARBORETO - INDEX

Olea patrocineae

Doce e anosa Olea europaea
teu louro azeite
nunca mais correrá sobre o bacalhau
com a couve troncha do Natal.
Nunca mais
em sua casa
tia Patrocínia.
Quentes natais de família
quando a família era ramo de oliveira
anunciadora de pacífica azeitona.
Hoje as azeitonas são motivo
de guerra
e valem mais que a poesia toda
do obscuro poeta.

Há famílias que se perdem
em guerras de alecrim
e manjerona
por desatado delírio
de grandezas e poderes
em alguns décimos de hectare
de terreno.

Valer por si
ter direito a ser como a imensa tília
da Isaurita
que se erigia como deusa
numa nuvem aromática de chá.

Boa tia Patrocínia
Natais assim tão doces
como os de Nave d'Haver
não volverão mais.
Agoniza
talvez deite um olhar de lembrança
ao campo da Quinta da Azenha.
Vou lá agora
tia
pensando em si
e regando com lágrimas
o solo tão desolado
depois de a máquina o ter lavrado
e abatido as velhas e podres macieiras.
Vou lá agora
tia Patrocínia
a máquina pôs à mostra o que as silvas
tinham escondido
a obscura e subterrânea mina.

Boa tia Patrocínia
Natais assim tão doces
como os de Nave d'Haver
não os viverei jamais.

Uma laranja dentro da meia
era o que recebia de presente
podem hoje dar-me diamantes
mas valem menos
que aquele sol quente
dentro da meia.

Em sua memória e dos natais tão perfeitos
da minha adolescência
tia Patrocínia
os pais em terra longínqua
e a sua casa aberta como se fosse minha
vou plantar na Quelha da Azenha
uma oliveira.

Para sua memória
neste melancólico 27 de Setembro
em que nos deixou para sempre
escrevo estas linhas maduras
mas que valem muito menos
que o azeite da sua ternura
e a laranja dentro da meia.
 

 

Maria Estela Guedes
Britiande, 27 de Setembro de 2010