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José Castellani

Os maçons e a abolição da escravatura

Do livro "Os Maçons e a Abolição da Escravatura". Editora A Trolha, 1998

1884 - O CEARÁ LIBERTA SEUS ESCRAVOS, SOB A ÉGIDE DA MAÇONARIA

A partir de 1875, o abolicionismo começara a empolgar a opinião pública na província do Ceará, enquanto a atitude do Parlamento imperial, de caminhar para uma paulatina extinção da mão-de-obra servil, sem uma ação eficaz para a total abolição, preocupava os abolicionistas cearenses. Tal situação fez com que diversos grupos ativistas começassem a atuar dentro da mesma tendência paulista, de liberar, em grande escala,os cativos dos latifúndios. Também começaram a ser criadas associações abolicionistas, destacando-se, entre elas, o Centro Abolicionista, de tendência moderada, e a Sociedade Cearense Libertadora, de linha jacobina (1). Esta era formada, em sua maioria, por maçons republicanos e abolicionistas e conseguiu agitar a província, com uma reunião na chamada "Sala do Aço", a 30 de janeiro de 1881, quando o seu presidente, João Cordeiro, à luz de velas, cravou um punhal na mesa revestida de pano negro, exigindo, de todos os presentes, o juramento de matar ou morrer pela abolição da escravatura, ao mais clássico estilo da Carbonária (2), também chamada de Maçonaria Florestal.

Nos estatutos da Libertadora constava, expressamente: "A Sociedade libertará escravos por todos os meios ao seu alcance". Seguindo essa linha, que era, também, a de Luís Gama (da Loja América) e Antônio Bento (da Loja Piratininga), em S. Paulo, a Libertadora usava, realmente, todos os meios, legais, ou ilegais, para libertar escravos. Assim, raptavam-nos das fazendas, escondiam escravos fugidos, disfarçando-os sob roupas finas e enviando-os para longe, com falsas cartas de alforria. Além disso, quando havia escravos à venda, os membros da Sociedade e suas mulheres doavam, para um fundo, relógios, correntes, anéis e brincos de ouro, para resgatá-los e dar-lhes liberdade. Cartas ameaçadoras eram enviadas a senhores de escravos. Uma delas, em registro que foi conservado, era dirigida a um fazendeiro do Piauí, cujos escravos fugidos haviam sido acolhidos pela Sociedade, e continha um trecho terrivelmente ameaçador, embora alguns historiógrafos o considerem "pitoresco" :

"Nós, abaixo-assinados, membros da terrível Sociedade Libertadora Cearense, restituímos a liberdade ao cidadão F...., e ordenamos-lhe que pretendendo voltar à terra de sua residência, se o seu senhor quiser obrigá-lo ao cativeiro, o poderá matar com uma faca bem grande, que lhe atravesse o coração de uma banda à outra".

A Sociedade chegou a aliciar os jangadeiros do Ceará, --- que, por isso, seriam homenageados por Patrocínio --- chefiados por Francisco José do Nascimento, conhecido como "dragão do mar". Fortaleza, capital e porto da província do Ceará, devido ao mar bravio, era péssimo ancoradouro e, por isso, os embarques e desembarques tinham que ser feitos por meio de embarcações pequenas e insubmersíveis, ou seja, as jangadas, as únicas a conseguir vencer o mar encapelado desse trecho da costa cearense. Os jangadeiros, então, faziam o transporte de passageiros e carga para os navios ancorados ao largo e recusavam-se a transportar escravos, sendo, por isso, fechado, o porto, ao tráfico interno de cativos, que eram vendidos, por seus proprietários, em outras províncias, diante do avanço da ação abolicionista.

A última tentativa de embarcar escravos --- duas mulheres --- para o sul do país, foi tumultuada, exigindo a presença do chefe de polícia, para garantir o embarque ; enquanto este discutia com os jangadeiros, as duas escravas foram raptadas por membros da Sociedade e libertadas.

Os municípios cearenses começavam, nessa época, a libertar em massa os seus escravos. O primeiro a tomar tal atitude foi Acarape, que, por isso, teve o seu nome mudado para Redenção. Seguiram-se diversos pequenos municípios até que, a 8 de maio de 1883, a liberdade, para os cativos, chegava a Fortaleza. Era o passo que antecedia o clímax: a 25 de março de 1884, finalmente, era abolida a escravidão na província do Ceará, quatro anos antes da Lei Áurea. Foi quando Patrocínio chamou o Ceará de "terra da luz". E tudo fora feito, principalmente, através do trabalho incessante da Sociedade Libertadora, de nítida inspiração maçônica.

NOTAS

1. Os jacobinos formaram a mais importante das associações políticas da época da Revolução Francesa. A associação teve origem no Clube Bretão, criado por deputados liberais da Bretanha, logo após a abertura dos Estados Gerais, em 1789, em Versalhes. Acompanhando a Assembléia Nacional, em Paris, a associação reunia-se no Convento dos Jacobinos, à rua de Saint Honoré. O nome de jacobinos era dado, na França, aos, aos frades dominicanos, porque o seu primeiro convento, em Paris, estava instalado na rua Saint Jacques. E esse nome acabou sendo dado, por adversários, aos membros da associação, que, em 1791, passou a se intitular Sociedade dos Amigos da Constituição e, depois da queda da monarquia, em 1792, Sociedade dos Jacobinos, Amigos da Liberdade e da Igualdade. A maior parte da associação era formada por republicanos extremados. Com grande poder na época, ela, depois, foi perdendo sua influência, até ser dissolvida, em 1799. Nessa ocasião, a palavra "jacobino" já servia para designar os que defendiam opiniões extremamente revolucionárias.

2. Carbonária era uma sociedade secreta, nascida, inicialmente, entre os carvoeiros e lenhadores de Hanover, daí o título, do italiano: carbonaro = carvoeiro. A sociedade espalhou-se por quase toda a Europa, tendo bastante atividade política, nos séculos XVIII e XIX, principalmente na Península Itálica, onde foi responsável pela unificação da Itália (1870), e na Península Ibérica. Por extensão, o termo foi aplicado a todos os membros de sociedades secretas com fins revolucionários. A Carbonária foi, durante muito tempo, confundida com a Maçonaria --- daí o título de Maçonaria Florestal --- porque ambas as sociedades, em algumas ocasiões, chegaram a manter algum tipo de intercâmbio e colaboração, para uma finalidade comum, como no caso da campanha de unificação da Itália. Todavia, os métodos, geralmente violentos e de luta revolucionária da Carbonária, afastam-na da Maçonaria, que sempre foi fundamentalmente libertária e avessa à violência. O punhal era o mais comum meio de justiça dos carbonários; e, em muitas de suas cerimônias, ele era usado para sinais e para reforçar juramentos e compromissos, como no citado caso da Libertadora. Daí a comparação.

José Castellani
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