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CARLOS ZATTI

NAÇÕES INDÍGENAS

Por questão de semântica lexical, ou sinonímia, militares ocupam espaço na mídia (ou de certa mídia), quando se debate a demarcação das terras dos índios habitantes da Raposa Serra do Sol, em Rorâima, para questionar e até negar a existência de nações indígenas!

Ora... Logo eles, os militares brasileiros, que não gostam do revisionismo histórico! Que se negam a abrir certos arquivos da Guerra contra o Paraguai, decerto para não macular alguns "certos"... E tomara que, quando isso vier a ocorrer, sejam testemunhados, porque o fogo costuma apagar certas memórias, também.

"Índio bom é índio morto" já dizia o general estadunidense Custer.

Por que mudar o sentido das palavras, ou negar o verdadeiro? Querer escamotear a verdade com medo da "integridade nacional", se o Brasil é um Estado Plurinacional? Que “ti-ti-ti” é esse entre milicos e midiáticos?! Qual a intenção, ou má intenção?

Não fosse a hospitalidade do índio, não teria o branco desembarcado na América. A retribuição é o desprezo!... Tribo, coletividade, tronco, aldeia, grupo, sociedade, povo, comunidade, família e nação. Qual é o problema?

Historiadores, estudiosos e professores de História estão sendo linchados, desprezados, contrariados e ofendidos com tamanha imbecilidade. Ora, onde já se viu negar o que sempre nos ensinaram? Querer negar a existência de nações indígenas, após séculos de assertivas!

Em defesa do que acredito, inicio com o meu ginasial "Compêndio de História do Brasil", editado pela Companhia Editora Nacional, em 1963, de autoria de Antônio José Borges HERMIDA, onde à página 61 lê-se: "Principais Nações e Tribos — Das nações indígenas a mais importante era a dos Tupis que os jesuítas denominavam 'índios da língua geral' pois a língua tupi era falada em toda a costa brasileira. Essa nação compreendia muitas tribos: Maués e Omáguas no Amazonas; Potiguares, no Rio Grande do Norte; Caetés, da Paraíba ao São Francisco; Tupinambás e Tupiniquins na Bahia; Tamoios no Rio de Janeiro e, mais para o sul os Carijós e os Guaranis. No Norte do Brasil vivia a nação dos Nuaruaques. [...] São Nuaruaques os Manaus e os Aruãs. Os Caribas ou Caraíbas foram outra nação. [...] Outra nação era a dos Jês ou Tapuias... dos Aimorés... Xavantes... Das nações menores há a dos Guaicurus, que eram índios cavaleiros do Mato Grosso. Durante a Guerra do Brasil com o Paraguai, esses índios muito ajudaram os brasileiros".

Foi assim que aprendi. Mas existem muitíssimas citações, inclusive de jornalistas e militares. Vejamos algumas:

CADORIN, Adílcio. "Tordesilhas: Muito mais que um Tratado". Reuter. Tubarão. 2004. p.107: Martin Afonso de Souza explora a costa brasileira e implanta alguns padrões — "Convivendo com os índios, os europeus tiveram conhecimento da história que era contada pela maioria das nações indígenas do litoral brasileiro, principalmente da região sul, de que a oeste, muito distante, existia um povo que formava um reino e que habitava montanhas eternamente geladas".

CHIAVENATO, Júlio José. "Bandeirantismo: Domínio e Violência". Moderna. São Paulo. 1991. p.17: A violência dos índios pelos jesuítas — "No início, as nações indígenas desse território, na maioria guarani, sofreram uma agressão peculiar: mais que as terras, a presa eram seus habitantes".

COSTA, Adolpho Mariano da. "Parábolas da Terra sem Males". Núcleo. Curitiba. 2000. p.9: Ywa Maãey – A Terra Sem Males — "Mitos e lendas das nações tupi-guarani, já no despertar dos mágicos, são explícitos em demonstrar até mesmo raízes extraterrestres desses povos, conforme lodo dirá Verá. A terá sem males é cenário paradisíaco, que os tupi-guarani localizaram em Pindorama, hoje Brasil e adjacências".

DOCCA , E. F. de Souza. "História do Rio Grande do Sul". Simões. Rio. 1954. p.78: Minuano — "Sendo como os charruas uma tribo da nação Chaná, tinham os mesmos hábitos e caracteres físicos daqueles, dos quais foram aliados constantes".

DRABIK, Alexandre. "Paraná Meu Paiquerê". Santa Mônica. Curitiba. 1998. p.29: "Mateus perguntou: — A que nação pertencem?

— Somos da nação Carijó...

— Mas aqui não é território Tupiniquim?

— Não. Tupiniquim para lá... — apontou para o norte".

DRABIK, Alexandre. "Nova Visão da Nossa História". Imprensa Oficial, Curitiba. 2006. p.78: A resistência dos Guaranis — "Ali, pelo Tratado de Madri, os Guaranis foram novamente expulsos, sendo em grande parte exterminados e suas cidades destruídas. Novamente, portugueses e espanhóis concordaram que não queriam uma nação entre eles".

FERREIRA, João Carlos Vicente. "O Paraná e seus Municípios". Memória. Cuiabá. 1999. p.11: Os Donos da Terra — "No Paraná de hoje habitavam, ao tempo do descobrimento, inúmeras nações indígenas, tanto na região litorânea, quanto no planalto. Os índios viviam, uns em aldeias e outros em pontos isolados, porém sempre ligados e associados". Na página 11: A Nação Tupi — "Da nação Tupi, por exemplo... os Carijó...numerosas aldeias da tribo Tingüi... Cainguá..." Na página13: "Resta apenas a nação dos Gês, e dela, os Botocudos. Deste povo, a conquista legou à história apenas alguns crânios".

FERREIRA FILHO, Arthur. "História Geral do Rio Grande do Sul". Globo. Porto Alegre. 1974. p.12: "De Tamandaré — o bom, nasceram Tupi e Guarani; de Aricuta — o mau, descenderam as diversas nações tapuias". Na página18: "A tribo reunia-se em torno do cadáver fazendo libações. Comendo, dançando e gritando. O feiticeiro, a que algumas nações chamavam caraíba e outras pajé, queimava ervas aromáticas, e pronunciava palavras estranhas, cujo significado profundo só ele conhecia".

GOMES, Flávio Alcaraz. "Transamazônica a Redescoberta do Brasil". Cultura. São Paulo. 1972. p.95: Os Índios — "A tribo dos 'Gaviões' constitui uma das vinte e tantas nações indígenas localizadas na área cruzada pela Transamazônica. Até a pouco tempo, seu número era estimado em aproximadamente quinhentos homens... A extinção completa da nação indígena, desde o seu primeiro contado com os homens civilizados, é uma questão apenas de tempo."

HAUBERT, Maxime. "índios e Jesuítas no Tempo das Missões". Círculo. São Paulo. 1990. p.26: Os Selvagens — "Naquela época, os guaranis formam, de longe, a maior nação indígena. Ocupam um extenso território, que vai de Assunção ao domínio português, ao longo do alto Paraná e do alto Uruguai... Uma aldeia guarani pode compreender centenas de pessoas..."

LAMBERTY, Salvador Ferrando. "ABC do Tradicionalismo Gaúcho". Martins. Porto Alegre. 1991. p.11: O Índio — "A grande nação indígena, que habitava nossas terras, formava grupos distribuídos pelas regiões. [...] A nação indígena permaneceu soberana até 1626, quando da chegada dos espanhóis à terra dos guaranis ou País do Tape, como chamaram os europeus".

Lenda d'A ÍNDIA MINUANO E O PRISIONEIRO PAULISTA, in "Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro". Edigraf. São Paulo, vol. VIII: "Ela já era uma mocinha de encantos, quando Japacani, seu pai, recebeu um chamado do grande chefe da nação dos Minuanos, Taguatoberá, 'Gavião Dourado', para comparecer ao conselho geral".

LESSA, Luiz Carlos Barbosa. "Aspectos da Sociedade Gaúcha". Proletra. Porto Alegre. 1985. p.8: Os Índios e as Vacarias — "Nas planícies entre a Lagoa Mirim, pontas do Rio Negro e rio Ibicuí os primeiros desbravadores encontraram tribos errantes, da nação güenoa — minuanos, charruas, jaros, etc."

MARTINS, Romário. "História do Paraná". Guaíra. Curitiba. s/d. p.29: Guaranis — "Em 1541, D. Álvaro Nunes Cabeza de Vaca... fez o longo trajeto do litoral ao rio Iguassu, Campos de Curitiba, Campos Gerais, rios Tibagi e Piquiri e novamente ao Iguassu e em todo esse imenso percurso encontrou numerosas aldeias de índios guaranis e nenhuma de outra nação". Na página 35: Arés — "Si no Paraná há restos das tribos da nação Guaianás, devem ser estes Arés do baixo Ivaí e Piquiri, os únicos que por seu idioma e características brandas e pacíficos se assemelham à discrição..." Na página 107: "Nas guerras e nas pelejas esportivas ia à frente das falanges, conduzido pelo Pagé, como a insígnia de honra da Nação — como bom auspício de triunfo". Na página 108, citando Rocha Pombo: "A crença numa vida além da morte, na imortalidade da alma por conseguinte, era geral entre os índios brasileiros de todas as nacionalidades".

MOCELLIN, Renato. "A História Crítica da Nação Brasileira". Brasil. São Paulo. 1987. p.26: A Resistência — "Em primeiro lugar, a reação violenta tentando, através da reunião entre diversas nações, vencer o invasor português."

MONTEIRO, Paulo. "Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo", Berthier. Passo Fundo. 2006. p.24: Combate do Guamirim — "A área era cercada por matas e terrenos íngremes, dominados pelos caingangues. Estes primitivos habitantes, da nação Jê, também conhecidos como bugres, coroados ou botocudos, nunca apresentaram simpatias pelos governos dos brancos. Durante a Revolução Farroupilha foram atacados pelas forças caramurus, que defendiam o Império, e por duas vezes derrotaram às tropas oficiais. A primeira à tropa comandada pelo tenente Lúcio, vencido pelo cacique Marau, e outra, nada mais nada menos que ao famoso general Pierre Labatut, herói das guerras da Independência..."

NEGRÃO, Francisco. "Genealogia Paranaense". 1º. Curitiba. 1926. p.40: A Província do Guayra — "3 – Todas essas Missões, reunidas às Paraguaias, formavam o Vice-Reinado Espanhol do Prata, com uma população indígena de perto de 160.000 gentios catequizados, na sua maior parte pertencentes às nações ou tribos dos Guaranis, Tapes, Charruas, Timbus, Paraguaios e outras".

ORNELLAS, Manuelito de. "Gaúchos e Beduínos". José Olympio. Rio de Janeiro. 1948. p.45: O Gaúcho — "No ano de 1795, Francisco Rodrigues do Parado escrevia, no Real Presídio de Coimbra, a história dos Índios Cavaleiros ou da nação Guaicurú, notando a semelhança que se aproximava dos Judeus, dos Guebres ou Guaris. Eram chamados em outras eras, os Pareiis, homens quietose melancólicos, diferentes dos outros selvagens da América".

PEREIRA, José E. Erichsen. “Uma História de Caminhos”. SEC. Curitiba. 1997. p.79: “... Índios Guaianases, Gualachos, Tapes, Arachânes, Caroguaras e Tabacanguaras (do grupo Gê), e com os da Nação Chaná, os chamados Guaicurus do sul...”

PORTO, Aurélio. "História das Missões Orientais do Uruguai". Selbach. Porto Alegre. 1954: "Já também, anexo a São Borja, outro povoado, Jesus Maria dos Guenoas, congrega os índios infiéis desta nação, que a catequese integra à civilização cristã". Em nota de roda-pé, "Coleção de Angelis". BN: 1656 — "... saindo das Reduções 350 índios armados que tinham por cabo o Mestre-de-Campo D. João Árias de Saavedra. Conseguiram sujeitá-los, acabando com essa nação, de que restaram..."

ROCHA POMBO. "História do Brasil". I. Jackson. São Paulo. 1953: As Raças em Fusão, p.73: "Os espanhóis encontraram no Peru vastas bibliotecas formadas de coleções de kipos; assim como escolas e observatórios. Eis aí, delineado nos traços mais característicos, o tipo superior do homem americano. Na infinidade de tribos e nações que se afastaram daqueles grandes núcleos de cultura... o tempo as vicissitudes só muito dificilmente conseguem ir apagando". Na página 74: "Na época do descobrimento, as grandes famílias das duas correntes já fragmentadas em numerosas tribos e nações". Na página 76: "Mesmo... desde já não resta dúvida que entre nações ou tribos da família tapuia é que se apanham mais vivas reminiscências da religião incaica. [...] "Aos Maracajás ligam-se, por laços mais ou menos remotos, todas as nações do interior pertencentes ao ramo tapuia [...] Mas entre todas essas, a nação antiga que mais conserva... é sem dúvida aquela que F. Denis chamou a 'nação sagrada', a dos Maracás". Na página 77: "A prova de que o chefe, entre os Tupís, não tinha autoridade absoluta, está em que as questões que interessavam altamente à nação, só eram resolvidas por uma assembléia de notáveis". [...]: passava daquilo que os primitivos helenos chamaram 'phatria' a mais larga aliança de tribos, e até a verdadeiras confederações". Na página 80: "... mitos e de ídolos propriamente nacionais, ou que se poderiam pelo menos reconhecer entre o maior número de tribos, muitos outros se encontram particulares a certas nações". Na página 201: Duarte da Costa e a situação geral do país — “Sabe-se que estas nações indígenas foram sempre hostis, e só acidentalmente se achavam no mesmo campo contra um inimigo comum. Bastava, porém, a mínima desconfiança entre elas para que se desaviessem e passassem, num instante, a vibrar dos velhos ódios. Fingiu o governador tratar as pazes com os Tupinambás, deixando de lado os Tapuias.”

SARCINELLA, Luigi. "O Gigante Brasileiro". Alfa Omega. São Paulo. 2004. p.40: Amazonas — "Existem opiniões — assegurando que a denominação da formosa capital amazonense seja oriunda de Manaus, célebre nação indígena que habitou e preponderou no Rio Negro, tendo sua corte na antiga aldeia de Barrua, ou Pararua, lugarejo que , em 1758, foi elevado a vila com a denominação de Tomar".

SETÚBAL, Paulo. “O Ouro de Cuiabá”. Saraiva. São Paulo. 1950. p.29: Os Coxiponés — “Principiam com os peixes do rio do Peixe, a surgir indícios do Coxiponé. Mesmo no derradeiro estirão, em mais dum pouso, os sertanistas já aprisionam um ou outro bugre da tão falada nação.”

SILVEIRA NETO. “Do Guairá aos Saltos do Iguaçu”. Fundação Cultural. Curitiba. 1995. p.90 — Em roda-pé: “Estes silvícolas, que Basaldua filia à grande nação Tupi, o nosso autor, adotando a teoria do Dr. Von den Seinem, que fixou os seguintes tipos étnicos dos selvagens brasileiros: Tupis, Gês, Goitacás, Nuaruak, Pano, Miranda, Guaicurus...”

TRINDADE, Jaelson Bitran. “Tropeiros”. EPCL. São Paulo. 1992. p.18: A presença do Colonizador — “Nesses sítios viviam os guaranis, divididos em várias nações do mesmo grupo etnolingüístico e ocupando, a leste, a maior parte da bacia do Paraná”.

VELLINHO, Moysés. “Formação Histórica do Gaúcho Rio-Grandense”, em “Rio Grande do Sul Terra e Povo”. Globo. Porto Alegre. 1964. p.34: “Fora da clausura missioneira, vagavam primitivamente tribos de outras nações nativas, mas quando o Rio Grande entrou a crescer como fração do Império português, estavam elas já muito rarefeitas, chegando algumas até o completo desaparecimento”.

WACHOWICZ, Ruy Christovam. "História do Paraná". Vicentina. Curitiba. 1995. p.7: Diferença entre os Tupi e Gê — "É verdade que as duas nações encontram-se ainda no estágio da pedra polida, mas incontestavelmente os tupi eram mais adiantados".

Existiam nações indígenas, sim; talvez com outros sinônimos/denominações léxicas, mas existiam. Quem nega é porque não sabe ou quer escamotear a verdade.

Na Europa existiam nações (os latinos, os otomanos, os germânicos, os eslavos...); Na áfrica (os zulus, os egípcios, os bantus, os abissínios, os mandingas, os camaroneses...); Na Ásia (chineses, japoneses, mongóis, judeus)... Por que só a América seria diferente?

O que é uma nação? É um povo que se distingue e se identifica como tal (ou que assim queira), por laços comuns com território definido, ou sem território como os ciganos, os curdos, os palestinos, ou até os israelitas (antes de conseguirem seu estado). Uma nação, também, pode ser formada por mais de um povo, desde que queiram se juntar numa sociedade, na formação de uma pátria, um estado, mesmo que plurinacional.

Carlos Zatti. Escritor, associado ao IHGPR. Membro fundador do Gesul e secretário geral do Movimento O Sul é o Meu País.
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